quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Ideologias políticas no Brasil


Sobre "direita" e "esquerda"...

Quando falamos em ideologias de esquerda, direita liberal ou conservadora é comum que haja confusão, como se esquerda fosse tudo a mesma coisa, assim como se o pensamento conservador não fosse uma ideologia. Por isso é importante ter conhecimento teórico sobre o que se diz, para que o debate político, tão indispensável para as pessoas na vida em sociedade, não fique no plano do senso comum, cheio de opiniões sem fundamento científico.

As ideologias popularmente conhecidas como “esquerda” têm origem na época da Revolução Francesa, com o filósofo Jean-Jacques Rousseau. Ele acreditava que as desigualdades entre os seres humanos tinham origem no surgimento da propriedade privada. E como solução ele apresentou a possibilidade de um contrato social onde seria constituído um governo, que deveria obedecer à vontade popular, com poder questionável, podendo ser revogado. As propostas teóricas construídas após Rousseau que defendem a liberdade coletiva em acordo com a propriedade coletiva são popularmente conhecidas  como socialistas. Nesse sentido, Rousseau  lançou as bases do plano ideológico do que seria a vida das pessoas sem a propriedade privada.

As ideologias popularmente conhecidas como “direita liberal” também têm origem na época da Revolução Francesa, com o filósofo John Locke. Ele acreditava que as desigualdades entre os seres humanos estão relacionadas ao modo como acontece acumulação das riquezas na sociedade, podendo levar à escassez caso não seja considerada a lei natural. Um exemplo que pode ser observado é a questão do desmatamento na Amazônia, aqui em nosso país. A possibilidade de escassez de água potável é um dos motivos pelo qual os seres humanos escolhem viver sob o contrato social, para regular a propriedade, onde o consenso será estabelecido pelo acordo das opiniões. Para Locke uma pessoa não deve haver se apropriar dos recursos naturais de modo a prejudicar outras pessoas, porque o direito à apropriação estaria violando o direito natural, uma vez que a natureza existe para todas as pessoas. Nesse sentido a delegação de poder, senso consensual, garantirá que haja justiça. Trata-se de um exercício de poder temporário, questionável e revogável de acordo com a vontade popular.

Quando ele escreve, há três formas de religiosidade: católica, protestante e deísmo. Ele considera essencial falar em Deus porque freia o homem. O que interessa é a obediência na Terra para conquistar a eternidade. Sobretudo o filósofo considerou que político não pode estar vinculado com o poder religioso. Desse modo ele defendeu o Estado laico, com neutralidade religiosa. A soberania está na comunidade política: se o Legislativo tem poder delegado, ele é o poder supremo. O Executivo opera continuamente, dentro da lei. Cabem ao Executivo as funções judiciárias e a condução da política externa. Ele diz que o povo é soberano, antes e depois do pacto. No segundo tratado de Locke o Estado é fundado num acordo entre os indivíduos. O poder do Estado é consentido, desejado, quando deriva de um contrato social. Locke introduz a novidade de que os governantes não devem ser permanentes, para não governarem de acordo com seus próprios interesses, em detrimento da maioria. Ele representou, portanto, o modelo no plano ideológico, do que seria a vida das pessoas com a propriedade privada a liberdade individual.

Assim como as duas anteriores, as ideologias popularmente conhecidas como “direita conservadora” se originam na época da Revolução Francesa, com o filósofo Edmund Burke. Ele acreditava que as desigualdades entre os seres humanos são naturais, e toda tentativa de busca por igualdade se torna uma violação na natureza humana. Desse modo o exercício de poder deve respeitar as desigualdades porque foram instituídas pela natureza, pelas normas morais e por Deus, de acordo com a perspectiva judaico-cristã ocidental. Em suas análises sobre a Revolução Francesa e o Iluminismo Burke chamou atenção para a capacidade natural que os proprietários possuem de exercício de poder político, em virtude de garantirem que não aconteçam mudanças como as que ocorreram a partir da Revolução Francesa. Ele entendia que quem se posicionasse contra o governo dos proprietários estaria contra a nação e a ordem social.


Consequências da pós-modernidade na sociedade brasileira.

Na sociedade brasileira a pós-modernidade - principalmente os benefícios da tecnologia da informação - foi sentida pela população com o fortalecimento dos movimentos sociais e desenvolvimento do pensamento crítico nas salas de aula em todo o país. Embora as reivindicações das minorias não pertençam de modo delimitado ao pensamento ideológico de “esquerda”, houve no imaginário social uma associação entre o “socialismo real”, já derrotado no plano concreto com a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, e os movimentos sociais. Verifica-se também que a população brasileira, de um modo geral, se divide entre a ideologia conservadora, que atua de modo concreto na busca pelo resgate da moralidade vigente no Brasil do século XX, herdada do patriarcado; e a ideologia socialista fundada em Bernstein, cujos militantes acreditam ser possível conciliar os interesses dos diversos setores da sociedade através da democracia liberal. Nesse contexto de conflito os conservadores se alinharam com o discurso nacionalista e os socialistas reformistas com o discurso internacionalista, que os compromete no campo ideológico da moralidade - é comum que os conservadores considerem que os liberais e os comunistas estão errados em sua escolha pelo internacionalismo. Os liberais, que também são internacionalistas, nesse cenário brasileiro conflituoso, ficaram com pouca visibilidade no jogo político e se alinharam com os conservadores. O resultado das alianças políticas culminou na vitória dos conservadores no plano nacional de disputa pelo comando do país na esfera federal. Diante dessa realidade é bem interessante a compreensão da visão de mundo desses grupos em disputa, e como a tecnologia da informação contribuiu para o desenvolvimento do pensamento crítico nas salas de aula, assim como para o debate público em torno do conflito entre a cultura local, defendida pelos conservadores, e a cultura global, reivindicada pelos movimentos sociais na atualidade.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

História do Brasil






   
História do Brasil

    Já faz muito tempo que os europeus chegaram aqui e trouxeram sua cultura com objetivo de ensiná-la aos autóctones, porque entendiam que seu modo de ver o mundo era superior. Hoje sabemos que isso não é correto, que devemos respeitar todas as culturas, considerando o respeito à pessoa humana, algo presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas o conflito entre o que é universal e o que é particular permanece em nossos dias. Um exemplo bem interessante é a questão dos direitos dos animais. Em nossa sociedade, inclusive, existe um debate em torno da utilização de animais em eventos festivos. A Vaquejada é um evento cultural que tem origem no nordeste brasileiro e tem sido alvo de muito debate em virtude dos maus tratos aos animais. Trata-se de uma competição onde duas pessoas montadas a cavalo devem derrubar um boi entre duas faixas de cal, uma substância branca utilizada para pintar um determinado local. Essa prática cultural, muito popular em nosso país durante século XX começou a ser questionada logo no início do século XXI por pessoas que se preocupam com maus tratos aos animais, porque para derrubar o animal os vaqueiros o puxavam pelo rabo lhe proporcionando dores. Apesar do questionamento sobre a submissão do animal a situações de dor, o governo brasileiro, através da lei número 13.364, no dia 29/09/2016 considerou a Vaquejada uma manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial, por se tratar de uma prática cultural. Podemos definir patrimônio as características de um grupo social, que pode ser material ou imaterial. Como patrimônio material podemos considerar as construções físicas, como templos religiosos, mercados e praças, quando possuem significado histórico e social. Possuir significado histórico é fundamental porque define a identidade do grupo social. No Brasil, com objetivo de organização e preservação do patrimônio cultural, foi criado o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

     O conflito que existe hoje é resultado de transformações proporcionadas pela Terceira Revolução Industrial, que através da internet tornou possível a aproximação entre pessoas de diversos lugares do mundo. Essa redução de tempo e espaço concretizada pela tecnologia da informação fez com que as pessoas começassem a questionar suas culturas locais e pudessem se juntar para construir um debate em torno do que seria “melhor” para a humanidade, pensando numa perspectiva global. Essa proposta de universalidade, fortalecida pela união das pessoas em movimentos sociais organizados por meio da internet, encontrou resistência no que diz respeito às particularidades das culturas locais. Isso significa que as regiões possuíam identidades culturais, como o caso da Vaquejada no Brasil, que foram questionadas pelos movimentos sociais.

     Os movimentos sociais, fortalecidos pela internet, possuem como objetivo estabelecer direitos considerados universais, isto é, válidos para todos os seres que vivem em nosso planeta. As pessoas que fazem parte dos movimentos sociais são chamadas de ativistas. Para alcançar seus objetivos os ativistas se organizam para intervir nas decisões políticas em diversos países, representando necessidades específicas de alguns grupos sociais, além da preservação do meio ambiente e direitos dos animais.

     Trabalho escravo na sociedade brasileira

   Na época da colonização os europeus não tiveram conflitos somente com os índios, que eram nativos da terra. Houve também a construção de uma relação de muito conflito com os africanos, que foram capturados e trazidos como escravos para trabalharem em nosso país. Os escravos eram transportados em navios e muitos não resistiam à viagem, devidos às péssimas condições em que viajavam. Os escravos não eram conformados com a realidade em que viviam e se organizavam em quilombos para fugir dos maus tratos dos senhores de engenho. A escravidão chegou ao fim em virtude da mudança que aconteceu na Europa nas relações de produção. Com a sociedade de mercado, também conhecida como capitalismo, era preciso que o trabalho fosse livre e assalariado. E foi nesse contexto histórico que os escravos foram libertos. Teria sido muito bom se nesse processo as pessoas libertas tivessem recebido algum apoio do Estado brasileiro para participarem da nova era do trabalho no Brasil, livre e assalariado. Quando se viram livres, os ex-escravizados não tinham onde morar, onde trabalhar e, por isso, alguns desejavam voltar a serem escravos. Além disso, o Estado brasileiro promoveu a imigração europeia. Os europeus eram convidados a viver no Brasil e participar da sociedade de mercado que aqui se formava, de acordo com os princípios liberais. Esse processo intensificou a exclusão dos ex-escravizados.

     De acordo com a ideologia liberal do mundo do trabalho as pessoas deveriam ser livres para através do próprio trabalho conquistarem o que precisam. Na sociedade brasileira o liberalismo foi bem sucedido em relação ao investimento na produção, com a compra de máquinas, por exemplo. Mas para que o liberalismo acontecesse de fato seria indispensável que as premissas liberais nas relações de poder também fossem concretizadas. Tais princípios podem ser compreendidos a partir da relação entre os interesses privados e os interesses públicos na sociedade. Aqui não houve o desenvolvimento de relações de poder comprometidas com o interesse público de modo que envolvesse a totalidade da população habitante do território nacional. O que se verifica é a construção de uma elite política que administra as instituições oficiais de poder de acordo com seus interesses privados, o que é popularmente conhecido como corrupção, que se constitui em desonestidade.

     Em todas as sociedades humanas existe um processo através do qual os mais jovens são educados. No Brasil esse processo tem início na família e continua através das demais instituições sociais, como a escola, por exemplo. Os conteúdos que as crianças e jovens aprendem nas escolas brasileiras são organizados por uma instituição oficial de poder, isto é, vinculada ao governo do país. O ministério da educação define quais conteúdos serão ensinados aos alunos nas escolas em todo o território nacional. A importância da educação escolar é indiscutível porque se desejamos que exista meritocracia em nossa sociedade, que é um princípio liberal, as pessoas devem ter oportunidade de desenvolver a competência técnica necessária para competir e melhorar sua posição social na sociedade de classes sociais, que fazem parte da sociedade de mercado, isto é, capitalista.

Formação das elites brasileiras

     Para entendermos o cenário político brasileiro da atualidade é indispensável o conhecimento do desenvolvimento das relações de poder construídas a partir da passagem do trabalho escravo para o trabalho livre e assalariado, quando a ideologia liberal chegou em nossa sociedade. Um importante cientista político, sociólogo, historiador e membro da Academia Brasileira de Letras, Raymundo Faoro, escreveu em sua obra Os donos do poder, publicada em 1958, sobre o modo como se formou no Brasil uma organização sociopolítica patrimonialista.

     O trabalho livre e assalariado faz parte da organização da sociedade de mercado, também conhecida como capitalista. Para que o ele tivesse sucesso em nossa sociedade seria necessário que se desenvolvesse uma sociedade organizada a partir da formação de classes sociais, onde houvesse mobilidade social através da competência técnica e competição. Desse modo se constrói a meritocracia nas relações entre os indivíduos e a sociedade.

     Classe social é o tipo de estratificação social da sociedade capitalista, isto é, faz parte da organização da sociedade de mercado. Estratificação social é o modo como as culturas organizam o que será aceito ou não na relação entre as pessoas e a sociedade. Como exemplo, podemos considerar a educação dos mais jovens. Em todas as culturas os mais jovens são educados, isso faz parte da estrutura social. Mas o modo como será essa educação chamamos de estratificação social. Sendo assim, entendemos que numa sociedade capitalista a existência das classes sociais deve ser em conjunto com a competência técnica e a competição, porque, desse modo, as pessoas mudarão de classe social por merecimento. Essa relação é pensada por Raymundo Faoro, a partir do que foi escrito pelo teórico liberal alemão Max Weber sobre as relações de poder construídas entre a sociedade e o Estado.

     Para Weber as relações de dominação legítima são divididas de acordo com os motivos pelos quais as pessoas obedecem. A motivação pode ser irracional ou racional. E assim ele conclui que a obediência à tradição e ao carisma são irracionais. Enquanto a obediência ao conjunto de normas e regulamentos registrados por escrito, como as leis, por exemplo, é racional. Além disso, o autor destaca que entre as formas de dominação legítima existem as que são de rotina diária, como a tradicional e a racional-legal; e a que é temporária, a carismática. Esse tipo de dominação pode existir em tempos de crise, quando surgem líderes que a população reconhece como portadores de todas as soluções para os problemas. Esse tipo de dominação é de momento extraordinário, enquanto durar a crise, porque quando a sociedade retornar à rotina prevalecerá a relação de dominação tradicional ou racional-legal.

     Na sociedade brasileira, para Faoro, o Estado não teve compromisso com o desenvolvimento do liberalismo político, de modo que aqui se desenvolvessem as condições necessárias para que a dominação racional-legal fosse estabelecida com sucesso, em sua totalidade. Quando dizemos que em uma sociedade há predomínio da forma de dominação legítima racional-legal entendemos que pode haver mais de uma forma de dominação e que possui mais características da dominação predominante. Fazem parte da dominação racional-legal a impessoalidade e a obediência ao conjunto de normas e regulamentos registrados por escrito. O melhor exemplo desse tipo de dominação é a burocracia, que possui características capazes de garantir que em nosso país exista o desenvolvimento da competência técnica, competição e meritocracia. A possibilidade de mobilidade social faz parte de uma sociedade de classes sociais, e deve existir numa sociedade de mercado, ou seja, capitalista. Essa forma de dominação seria muito boa para o Brasil, uma vez que aqui estava sendo introduzido o trabalho assalariado livre. As pessoas poderiam através do trabalho livre e com remuneração conquistar o que julgassem necessário, tanto para a sobrevivência quanto para a produção de riquezas e, desse modo, mudar de classe social. As pessoas localizadas em melhores posições sociais estariam lá por merecimento. Mas no Brasil alguns fatores atrapalharam o desenvolvimento de uma sociedade de classes sociais. Entre tais fatores é possível destacar o modo como o interesse público foi submetido ao interesse privado  das pessoas que faziam parte do Estado, que ocupavam os cargos responsáveis por fazer com que a dominação racional-legal se tornasse uma realidade, tanto na produção das riquezas, isto é, na economia, quanto nas demais áreas da vida social, como na educação, por exemplo.

     A educação escolar é um excelente exemplo de como a meritocracia é historicamente prejudicada na sociedade brasileira. Para compreendermos esse processo podemos considerar o modo como a educação básica, que inclui o ensino fundamental e médio, existe na sociedade brasileira. Em nosso território o ensino básico escolar com qualidade não se encontra disponível para todos os que dele precisam. Trata-se do ensino capaz de formar jovens com competência técnica necessária para a competição, promovendo a meritocracia. O fato de nem todos terem condições de acesso a uma educação com qualidade atrapalha o desenvolvimento de uma sociedade orientada pelo princípio da meritocracia, ou seja, liberal. Imagine uma criança que nasce em uma família que não lhe dá meios para seu desenvolvimento intelectual, obviamente que terá mais dificuldade de participar da competição do que uma criança nascida em uma família que lhe dá todos os meios que podem ajudar em seu desenvolvimento intelectual.

     Em nossa sociedade existem muitas pessoas que nascem em estado de muita carência, o que com frequência impede o desenvolvimento de uma formação escolar que as torne capazes de participar de modo competitivo no mercado de trabalho. Nesse sentido as desigualdades podem se transformar em um impedimento para a produção de riquezas em nossa sociedade. A contribuição do filósofo norte-americano Jonh Rawls é muito importante para entendermos a realidade brasileira, porque de acordo com as suas ideias, a escola seria uma instituição social comprometida com a concretização da cidadania, desde que fosse laica, ou seja, sem orientação religiosa, e com qualidade, para favorecer o desenvolvimento do modelo de sociedade de mercado no Brasil. Essa era a proposta liberal de educação, somada ao trabalho livre e assalariado, em nossa sociedade.

     Para Rawls a ideia de justiça se encontra relacionada à ideia de igualdade de oportunidades e garantia de direitos indispensáveis, com objetivo de desenvolver uma sociedade democrática. A justiça é muito importante porque serve para mediar os conflitos que existem entre as pessoas na sociedade. Outra questão bem interessante da obra de Rawls é o valor que ele atribui aos cidadãos para a construção das regras sociais. Ele considera que os cidadãos são livres, conscientes e possuem responsabilidade. Um exemplo de responsabilidade considerado pelo autor diz respeito às pessoas que possuem filhos. A liberdade dos responsáveis pela criança se encontra relacionada à responsabilidade e cuidados, de modo igual para homens e mulheres.

     Se a garantia de direitos em uma determinada sociedade for permanente, isto é, se fizer parte da cultura, a distribuição dos bens disponíveis será justa. Mas numa situação em que existem cidadãos cujos direitos não estão garantidos, devem ser criados meios para o acesso de todos aos direitos. Para Rawls é a própria sociedade quem deve participar da criação dos meios de intervenção, o que pode ocorrer através de políticas publicas. Essa proposta tem em si a ideia de que as desigualdades de acesso aos direitos podem favorecer tanto à corrupção quanto ao desequilíbrio da vida social. Por esse motivo a redistribuição deveria ser algo com que a população concordasse.

     A educação escolar realizada de acordo com a proposta liberal foi pensada em 1924, com a criação da Associação Brasileira de Educação. Imagine uma sociedade que fornece aos mais jovens, desde a infância, as condições necessárias para a que a meritocracia aconteça. Tais condições envolvem a existência de uma educação escolar que dê oportunidade de competição a todas as crianças, adolescentes e jovens que vivem em nosso território. O acesso a esse tipo de educação deve ser garantido por um motivo muito simples, se todos tiverem oportunidade de competir para alcançar com seu esforço e dedicação o que a sociedade de mercado tem a oferecer, o indivíduo conquistará seus bens através do seu trabalho, por mérito, e haverá produção de riquezas na sociedade.

     Existem questões extraescolares que envolvem a relação entre educação e desigualdades em nossa sociedade. Entre tais questões podemos considerar a precariedade das políticas públicas relacionadas à habitação, segurança e alimentação da população que sem encontra em estado de carência múltipla, que Leonie Sandercock e John Friedman, intelectuais que estudaram planejamento urbano, definem como despossessão social, política e psicológica. De acordo com a proposta dos dois autores, existem pessoas que são impedidas de ter posse de algo na vida em sociedade, isto é, se encontram dentro de uma organização social desigual. A despossessão psicológica está relacionada ao sentimento de inferioridade em relação às outras pessoas, com quais convive na vida em sociedade. A despossessão política ocorre quando a pessoa se sente incapaz de participar das decisões políticas que interferem na sua vida e de seus semelhantes. A despossessão social está presente na dificuldade de acesso aos meios de ascensão social, como uma boa educação escolar, por exemplo.

     No Brasil a população que se encontra em estado de carência múltipla sente dificuldade de acesso aos bens indispensáveis à sobrevivência porque, embora sejam garantidos pela Constituição Federal, estes dependem de políticas públicas para serem concretizados. O meio que o cidadão brasileiro possui de ter acesso ao conjunto de direitos civis, políticos e sociais, que são os princípios da cidadania, é a democracia representativa. Isso significa que o vínculo entre as pessoas e os direitos que as tornam cidadãs de fato, isto é, de modo concreto, se localiza no Estado Democrático de Direito. No plano da idealização todos os brasileiros se encontram contemplados pelo conjunto de normas e regulamentos registrados por escrito, que existem para garantir que nenhum cidadão tenha seus direitos negados.

     Quando falamos em conjunto de direitos e redução de desigualdades no Brasil, encontramos a falta de identificação da população com os princípios do Estado Democrático de Direito. Isso acontece porque em nosso hábito coletivo existe a crença de que tanto o sucesso quanto o fracasso dependem quase exclusivamente do esforço individual das pessoas. Em nossa realidade a população não consegue identificar o Estado como responsável pelo bom funcionamento da sociedade de mercado, ou seja, capitalista. Inclusive porque numa sociedade liberal o Estado é mínimo, ou seja, deve intervir no que diz respeito aos interesses da nação brasileira em todas as áreas, inclusive a produtiva.

     Imagine uma sociedade onde a meritocracia acontece de fato a partir do esforço individual, considerando que nossas crianças e jovens possuam suas necessidades extraescolares atendidas, tais como segurança, alimentação, assistência médico-hospitalar e habitação. O tema da segurança está entre os mais discutidos em nossa sociedade. No espaço de debate público é possível encontrar duas compreensões distintas sobre o tema, de um lado existem os defensores da “pena morte” concretizada na ação policial; do outro lado se encontram os que acreditam que a redução da criminalidade acontecerá através da redução das desigualdades. Estudando história é possível verificar que as duas propostas tiveram consequências positivas, em sociedades diferentes. Em Nova Iorque, cidade norte-americana, foi empregada a ação policial de tolerância zero, e houve redução da criminalidade. Outra cidade que também reduziu seus índices de criminalidade foi Medellín, localizada na Colômbia. Em sentido oposto ao da cidade norte-americana, em Medellín houve investimento em tecnologia, meio ambiente, transporte e geração de empregos; e também houve redução da criminalidade.

     Para entender a questão da habitação em nossa sociedade é importante conhecer a história das precárias habitações que são popularmente conhecidas como “favelas”. Esse estudo se faz necessário porque à medida que os centros urbanos se desenvolveram durante o século XX, muitas pessoas saíram das áreas rurais do país para viver nas cidades, em busca de melhores oportunidades de trabalho. Esse deslocamento promoveu a formação de áreas habitacionais com imensa precariedade de recursos básicos para a sobrevivência. Entre tais recursos se encontram a coleta de lixo, saneamento básico e construções com risco de desabamento.

     Os estudos sobre as “favelas” podem ser encontrados no final do século XIX. Os pesquisadores que tinham interesse na pesquisa sobre a vida nas cidades e seus habitantes estudaram os “cortiços”, locais onde moravam as pessoas mais pobres; tanto trabalhadores quanto quem não trabalhava. Desse modo os cortiços se tornaram lugares onde além de trabalhadores viviam pessoas desocupadas e perigosas. Nessa época existia um discurso médico-higienista, que considerava o cortiço um ambiente onde quem frequentava poderia adquirir doenças e vícios em coisas ruins, que prejudicariam a vida das pessoas em sociedade. Esse prejuízo pode ser chamado de desordem social e moral. Já aprendemos que a moral corresponde ao modo como um grupo social compreende o mundo que o cerca, nesse sentido se refere à visão de mundo das pessoas na vida em sociedade com outras pessoas. É desse modo que são construídos os padrões de higiene, beleza e justiça, por exemplo. As pessoas que viviam nos cortiços compreendiam o mundo de modo diferente das pessoas que moravam fora deles. É como se hoje fizéssemos uma comparação entre o modo de viver e compreender o mundo dos moradores das favelas em relação aos habitantes “do asfalto”, ou seja, todo mundo que não reside nas favelas. Nesse sentido podemos entender que a favela, cuja origem se localiza nos cortiços, e o “asfalto”, são ambientes sociais com diferentes visões de mundo, isto é, com culturas diferentes.

     De acordo com os estudos da socióloga Licia Valladares, no início do século XX foram criadas medidas administrativas, pelo governo do prefeito Pereira Passos, entre 1902 e 1906, com objetivo de tornar a cidade mais civilizada. Tais medidas se concretizaram em reformas que foram desde a criação de leis impedindo a construção de novos cortiços até a demolição dos que já existiam. Diante das mudanças realizadas pela prefeitura as pessoas ficaram sem ter onde morar. Diante da necessidade de encontrar algum tipo de abrigo, para se proteger dos fenômenos da natureza, por exemplo, as pessoas foram para os morros construir habitações. A reforma urbana promovida pelo prefeito Pereira Passos tinha como objetivo tornar a cidade com aparência mais próxima de Paris, cidade europeia. Além da reforma da cidade do Rio de Janeiro em sua aparência, também foi realizado, de modo mais amplo, o processo de imigração europeia, com objetivo de clarear o tom da cor da pele da população. Nessa época existia a crença de que a sociedade brasileira se desenvolveria melhor de fosse mais parecida com as sociedades europeias. A reforma promovida pelo prefeito Francisco Pereira Passos e a imigração europeia foram realizadas como apoio financeiro do governo federal. A reforma urbana não tornou a cidade mais “europeia” e deu origem à construção de habitações nos morros e áreas vizinhas da cidade. Essas construções receberam o nome de favelas. Ainda segundo Valladares, esta palavra passou a ser utilizada na segunda década do século XX, pela imprensa para designar as aglomerações pobres, de ocupação ilegal e irregular, geralmente localizadas em encostas.

     Para a antropóloga Alba Zaluar e o historiador Marcos Alvito as pessoas que moravam em favelas passaram ser consideradas com qualidades ruins, porque possuíam hábitos diferentes das pessoas que não moravam nessas áreas. É também possível verificar que nesses aglomerados urbanos existe tanta carência que a pobreza dos seus habitantes fica exposta, assim como o desinteresse do governo em fornecer condições indispensáveis à sobrevivência a esse grupo social, como saneamento básico, por exemplo.

     As favelas cresceram muito nos anos a partir da segunda metade do século XX, porque muitas pessoas migraram das regiões menos desenvolvidas do país para os centros urbanos, principalmente para o Rio de Janeiro e São Paulo. Embora existissem melhores oportunidades de trabalho, nem todas as pessoas conseguiam obter remuneração capaz de viver fora das favelas, isto é, no asfalto. Foi desse modo que as favelas cresceram tanto que os governos não conseguiram impedir.

     Apesar das diferenças culturais que existem entre os moradores da favela e do asfalto, as relações não podem ser evitadas, principalmente no que diz respeito ao trabalho, inclusive porque é das comunidades carentes que se extrai mão obra farta e barata. Embora ocupassem, no mercado de trabalho, posições consideradas de menor importância, devido à baixa qualificação profissional, os moradores das favelas se integraram à vida urbana além das relações de trabalho, como na produção artística, onde é possível citar a contribuição das Escolas de Samba para a cultura da sociedade brasileira.

     A participação da vida social urbana dos residentes das favelas não ficou restrita ao mercado de trabalho, passou ter importância na vida política da cidade. Segundo Anthony e Elizabeth Leeds, as eleições representam o momento em que alguém demonstra algum tipo de interesse pelas condições precárias de sobrevivência dos moradores das comunidades carentes, o que lhes desperta um tipo de esperança em relação ao futuro. Entre um governo e outro aparecem algumas melhorias para os moradores que vivem em estado de carência múltipla na cidade, como o projeto favela-bairro, responsável pela urbanização das comunidades, que inclui alguns benefícios, tais como a realização de projetos sociais para a educação escolar de jovens e adultos, qualificação profissional e geração de renda, combate à violência, obras de infraestrutura, melhoria das habitações, projeto de assistência médica e hospitalar.

     Atualmente há quem argumente que as favelas representam perigo para a sociedade por causa da omissão dos governantes, que teriam permitido que crescessem tanto, se tornando abrigos para facções criminosas, perdendo o controle. As camadas médias e altas da sociedade reclamam da falta de controle dos governantes, e cobram uma solução para o problema da violência. Os responsáveis pela solução do problema, na busca desesperada de atender às reclamações dessas camadas da sociedade, usa a força policial para combater criminosos nas favelas. Os moradores que não possuem relação com qualquer atividade criminosa são prejudicados, e isso afeta muito os mais jovens, que têm aulas suspensas ou estudam inseridos em conflitos entre policiais e criminosos.

     A educação é um importante aspecto da vida de uma pessoa para a possibilidade de mobilidade social numa sociedade de classes sociais, como a brasileira. Mas quando estudamos as desigualdades que existiram durante o século XX e ainda são verificadas na atualidade, é possível compreender como as pessoas mais pobres encontraram dificuldades além do ambiente escolar para estudar e desenvolver a competência técnica necessária para participar da livre competição na sociedade de mercado, ou seja, capitalista, que se desenvolveu no Brasil. Nesse sentido a meritocracia enquanto condição para melhorar a posição social de uma pessoa que vive no Brasil pode ser questionada, uma vez que as oportunidades são tão desiguais e diversas que vão desde a dificuldade na relação entre ensino e aprendizagem, percebida no ambiente escolar, até a precariedade de condições mínimas de sobrevivência, que envolvem a habitação, segurança, alimentação, transporte, assistência médica e hospitalar. O questionamento do modo como a questão do mérito se localiza em nossa sociedade é importante porque favorece a possibilidade do desenvolvimento da democracia deliberativa. Para Joshua Cohen, filósofo político norte-americano, a democracia deliberativa possui como objetivo a realização de debates públicos entre todos os cidadãos, a fim de buscar o bem comum considerando as desigualdades de oportunidades.