terça-feira, 21 de abril de 2020

Paradoxos da Globalização.

 Paradoxos da globalização

Consequências humanas: nem todas as pessoas conseguem usufruir dos benefícios da globalização, como o processo de desenvolvimento tecnológico, por exemplo.

Fluxo de pessoas: avanços tecnológicos e de transportes facilitaram a intensificação do fluxo de pessoas pelo planeta Zigmunt Bauman considerou que os benefícios da globalização não estão disponíveis para todas as pessoas. Ele definiu, a partir da lógica das desigualdades vigentes na globalização, os conceitos de “turista” e “vagabundo”.

O “turista” tem acesso os benefícios da sociedade de consumo. O “vagabundo” não tem acesso os benefícios da sociedade de consumo.

Paradoxo político: crise do “Estado-nação”. Em virtude da globalização corresponder ao processo de internacionalização do liberalismo (propriedade privada+ liberdade individual).

Paradoxo conceitual: acentua as desigualdades entre ricos e pobres.

Mundialização: para o autor René Armand Dreifuss a globalização promove homogeneização e massificação cultural (Cultura global).

Identidade e cultura na atualidade.


Natureza e cultura: compreendendo as relações humanas na atualidade.

1-Construção do “eu”: como as identidades são construídas na vida em sociedade.

Na sociedade brasileira é possível verificar que existem atualmente muitos conflitos de origem moral. Para entendermos o que é moral devemos pesquisar a origem da palavra, que se localiza no latim, morales, e significa tudo o que diz respeito aos costumes. É comum que as pessoas confundam moral com ética, que possui origem grega, ethos, e significa modo de ser ou caráter. A palavra caráter tem origem grega, kharakter, e significa marca, isto é, o que define alguém. Com essas definições podemos compreender com clareza que o conjunto de atributos que definem o modo de ser de uma pessoa, ou seja, o caráter depende de como o grupo social do qual ela faz parte classifica o que é bom ou ruim. Nesse sentido, a reflexão acerca do caráter se encontra relacionada com a ação ética e com as normas morais, uma vez que as pessoas, na vida em sociedade, classificam o que será aceito e rejeitado no convívio social. Esse processo de construção de classificações organiza todos os aspectos da vida social, tais como a alimentação, defesa, habitação, educação dos mais jovens, regras de parentesco, distribuição das riquezas, relações de poder, definição de justiça, de beleza, por exemplo. Por esse motivo é importante o estudo das culturas, primeiro para entendermos que cada sociedade humana percebe o mundo de um modo específico, ou seja, particular; e para desenvolvermos a compreensão de que as culturas devem ser respeitadas ainda que seja completamente diferente do modo que vivemos. Neste módulo verificaremos como as identidades sociais se desenvolvem, e entenderemos a importância desta construção social.


2.Stuart Hall (1932-2014)

A contribuição do teórico cultural Stuart Hall, para o entendimento sobre a construção das identidades, isto é, do “eu” que define cada pessoa, é muito importante. Ele é um dos fundadores da escola de Estudos Culturais britânicos, que se localiza na Universidade de Birmingham, na Inglaterra. Para o autor, na atualidade foi realizada morte do sujeito moderno, que nasceu com a Revolução Francesa. A ideia de indivíduo moderno, cujas certezas eram fundadas no desenvolvimento científico, foi abalada diante da incapacidade da humanidade de promover o próprio bem-estar com a tecnologia. O melhor exemplo pode ser localizado nas duas grandes guerras que abalaram as estruturas das sociedades europeias e contaram com o desenvolvimento tecnológico para a destruição em grande escala da vida humana, expressa de modo latente no holocausto contra todos os seres humanos julgados inferiores pelas ações dos regimes nazista, na Alemanha, e fascista, na Itália. Desse modo o sujeito que surgiu na Revolução Francesa, construído pelas propostas iluministas, passou por transformações que deram origem ao homem pós-moderno.

        Stuart Hall escreveu sobre a identidade cultural na pós-modernidade. Identidade é o conjunto de características que definem as pessoas. A identidade, portanto, corresponde ao “eu” do sujeito. A construção das identidades é realizada a partir das relações estabelecidas entre as pessoas e o mundo em que vivem, ou seja, através da cultura. A pós-modernidade pode ser compreendida a partir do fim da Guerra Fria, com o fracasso das ideologias socialistas que foram parcialmente concretizadas em alguns países. Podemos entender o que significa ideologia a partir da elaboração teórica de Dustutt de Tracy, filósofo francês que no final do século XVII escreveu sobre a importância do estudo das ideias. A palavra ideologia tem origem grega em ideia, que quer dizer o que foi criado primeiro e, por isso, pode ser usado como modelo; e logos, que tem como tradução estudo. Desse modo por ideologia podemos compreender o estudo do que foi criado e pode ser utilizado como modelo.

Ter o conhecimento acerca do define a ideologia enquanto orientação para a vida prática é importante porque nos faz entender a proposta de Stuart Hall sobre a crise de identidade na pós-modernidade, que se localiza na compreensão de que com o fracasso dos Estados Socialistas em promover o fim da propriedade privada, os Estados orientados pelo capitalismo se fortaleceram. Esse processo foi acompanhado pelo desenvolvimento tecnológico da informação, com a internet, por exemplo, que tornou possível a aproximação entre pessoas de diversos lugares do mundo. Essa compressão de tempo e espaço produziu tanto o questionamento das culturas locais quanto a formação de uma cultura global. Foi nesse movimento que as pessoas se sentiram inseguras em relação às identidades locais, restritas ao modo de ver o mundo de seus grupos sociais de origem, gerando o que o autor chama de “crise de identidade”. Esse período é chamado por Hall de “modernidade tardia”, onde as pessoas perderam a segurança em suas identidades que eram fixas, estáveis. Um exemplo que pode ser considerado é o fortalecimento dos movimentos sociais de busca por igualdade. Nesse sentido o sujeito pós-moderno não possui uma identidade definida, mas em processo permanente de reconstrução.
       
     Esta dinâmica se tornou cada vez mais intensa em função das novas tecnologias como a aviação e a internet por exemplo. Tanto as distâncias físicas quanto as distâncias culturais foram encurtadas pela tecnologia. Hoje uma viagem que durava meses dura menos de um dia. Não é incomum vermos pessoas que em viagens de trabalho estão em mais de um país na mesma semana, algumas vezes até mais. As fronteiras neste mundo de viajantes constantes ficam cada vez mais fugidias e pouco claras. Isso impacta nas definições de nacionalidade, de cultura local, de tradição, que constroem as visões de quem se é de onde se é. Ao mesmo tempo, mesmo aqueles que não dispõem de capacidade financeira para viajar, em sua maioria tem acesso à internet, o que faz como que o contato seja plural e multiplicado com as mais diversas culturas. Hoje temos acesso a produtos culturais, filmes, textos, crenças, dentre outros elementos, como nunca tivemos na história. Hoje as informações demoram poucos segundos para chegar a nossas mãos e ainda estamos aprendendo o que fazemos como elas.

3- Manuel Castells (1942 - 76 anos)

Castells é um ilustre teórico do período conhecido como pós-modernidade. Em suas obras ele considera que o desenvolvimento da tecnologia da informação promoveu a criação de uma sociedade em rede, que se define pela possibilidade de contato virtual entre pessoas que estejam fisicamente distantes. Para ele nesse tipo de sociedade o que mais importa é a informação e não a propriedade privada dos meios de produção. Um exemplo que pode ser considerado é a indústria automobilística, que possui a marca e os projetos dos veículos. Hoje o entendimento da tecnologia da informação é indispensável para a compreensão das mudanças que ocorrem nas estruturas das sociedades humanas, embora não seja suficiente para resolver os problemas que resultam das contradições que irão surgir em virtude das culturas locais resistirem a tais transformações. Numa sociedade em rede o que mais importa é o fluxo das informações, ou seja, a movimentação constante das notícias. Essas mudanças contribuíram para uma reorganização global das sociedades antes orientadas por suas culturas locais. Um exemplo bem pertinente da circulação contínua dos acontecimentos é modo como um vídeo em uma rede social pode ser divulgado para inúmeras pessoas em um espaço tão curto de tempo que pode criar uma mobilização em torno de uma informação com veracidade questionável. É interessante destacar que podem existir situações dessa natureza que violem o código penal, fazendo com que a sociedade crie instituições, assim como legislação específica para que haja denúncia, investigação e punição para esse novo tipo de crime.

Aprofundando!!!!!

O que são crimes virtuais?

“...Crimes virtuais são os crimes praticados através da internet ou computadores. Os criminosos buscam atingir a própria vítima ou apenas o computador dela. Alguns também buscam atingir uma rede de computadores completa, como as de empresas, organizações e órgãos públicos.
Independente do objetivo ou forma de praticar, esses crimes podem ser punidos a partir da denúncia, podendo levar a detenção do criminoso e ao pagamento de multa. Ao denunciar um crime virtual, será possível contribuir para impedir que esses crimes continuem.
Alguns dos exemplos de crimes virtuais são: roubo de informações, desvio de dinheiro de contas bancárias, sites falsos de compra eletrônica, crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação), ameaças, falsidade ideológica, entre outros...”

Castells construiu uma relação entre comunicação, informação, poder e política. Independente das intenções que existam nas organizações sociais, sendo oficiais ou não, a comunicação e a informação se encontram sob controle de quem pretende exercer algum tipo de poder. Esse poder pode ser tratado como político, porque a ação política em sua definição consiste em uma relação de poder, de comando sobre o outro. Se considerarmos o Estado brasileiro, que é uma instituição de poder oficial, podemos verificar esse controle através das concessões para as emissoras de televisão e da educação escolar básica, cujo conteúdo selecionado para ser ensinado aos alunos em todo o território nacional depende da aprovação de pessoas vinculadas ao exercício de poder oficial, ou seja, ao Estado.

Entretanto, hoje este controle não se encontra vinculado apenas aos estados. Com a dinâmica acelerada de divulgação de informações, empresas, pessoas públicas e até mesmo políticos, precisam considerar todo o conjunto de efeitos de suas declarações posicionamentos e escolhas diante da opinião pública reforçada pelas novas redes. E como qualquer ferramenta, as novas redes implicaram em efeitos positivos e negativos. A mesma rede que pode ser utilizada para iniciar um protesto ou ampliar a capacidade de expressar suas posições, aos mesmo tempo pode ser utilizada para diminuir, ofender ou fazer escárnio público de uma pessoa ou de um grupo de pessoas. É importante lembrar que estas redes não criaram estas dinâmicas, elas apenas tornaram as mesmas mais amplas e acessíveis.

Castells destaca o papel social dos indivíduos que não se sentem representados pela sociedade em sua totalidade. Essas pessoas tendem a se organizar em movimentos sociais para reivindicarem a criação de políticas públicas que promovam compensações concretizadas em formato de leis. Um exemplo que pode ser considerado é a criação de cotas raciais, assim como leis específicas sobre a igualdade de gênero. Se por um lado há quem considere que os movimentos sociais, em suas reivindicações, ignoram que os brasileiros, constitucionalmente, são iguais perante a lei; por outro lado, é possível verificar nas falas dos representantes de tais movimentos que também é constitucional que os desiguais sejam tratados em suas especificidades. O debate público que envolve a busca por igualdade de condições tem acontecido de modo constante através das internet. E desse modo constatamos a importância da informação e da comunicação como meios para a construção de uma sociedade cada vez mais engajada no que se refere ao exercício de poder político.

Aprofundando!!!!!!!
BOX: LEI Nº 12.965, DE 23 DE ABRIL DE 2014.
PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1o Esta Lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria.
Art. 2o A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como:
I - o reconhecimento da escala mundial da rede;
II - os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais;
III - a pluralidade e a diversidade;
IV - a abertura e a colaboração;
V - a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e
VI - a finalidade social da rede.


     O poder é tratado pelo autor com responsável pela concretização de interesses que podem não corresponder ao que almejam as pessoas no plano individual, mas aos anseios de grupos sociais em busca de seus próprios interesses e ignorando a totalidade da vida social. Nesse sentido é fundamental entender o funcionamento da mente humana, uma vez que as mensagens que circulam atuam sobre a mente humana fazendo que as pessoas de comportem de determinado modo, e essa dimensão individual pode crescer e alcançar a esfera coletiva. Enquanto as pessoas pensam que têm autonomia de pensamento podem ser alvos de mensagens falsas, que representam interesses de organizações que pouco ou nenhum compromisso tem com o bem-estar da humanidade em sua totalidade. Com objetivo de entender a mente humana, Castells pensou de modo relacional a emoção, a política e o entendimento humano sobre a realidade, ou seja, a cognição. Ele concluiu que as pessoas podem ser mobilizadas pelos sentimentos, considerando as informações sobre as injustiças sociais, por exemplo. De acordo com essa perspectiva, a indignação pode ser utilizada para relacionar informação, comunicação e ação política individual.

4-Antony Giddens (1938 - 80 anos)

     Giddens se destaca entre os outros pensadores acerca do período que envolve a globalização em virtude de não usar o termo pós-modernidade, mas modernidade reflexiva, alta ou tardia. De acordo com essa percepção a construção do “eu” deixa de corresponder à tradição e se torna uma elaboração reflexiva e, portanto, individual. Nesse contexto surge um novo conjunto de papéis sociais disponíveis aos indivíduos, muito mais amplo do que existia na sociedade tradicional.

     As relações de confiança criadas para que haja um melhor relacionamento entre as pessoas adquire um novo formato, uma vez que a construção do “eu” se torna um projeto reflexivo individual. O “eu” possui uma trajetória de desenvolvimento em etapas, onde o indivíduo é capaz de identificar e selecionar o que será melhor para a sua vida dentro dos múltiplos papéis sociais disponíveis na realidade multicultural. É nesse processo que os laços afetivos orientados por papéis sociais tradicionais serão reorganizados. Nesse sentido a moralidade passa por uma nova interpretação onde a satisfação individual passa por questões que envolvem as oportunidades, os riscos, o equilíbrio e autenticidade. Desse modo, viver a vida significa mais do que simplesmente estar vivo, mas ser capaz de passar pelas transformações tendo o controle da própria vida.

     Para Giddens o mundo contemporâneo é constituído a partir da Revolução Industrial, com a formação da burguesia como classe social. Ao discutir a pós-modernidade enfatiza o processo de globalização e de que forma esse formato adquirido pela sociedade interfere nas relações sociais e na vida das pessoas. As relações de confiança são criadas para que haja um melhor relacionamento entre as pessoas, para que o medo e a insegurança não prevaleçam, comprometendo a vida em sociedade. Desse modo o papel desempenhado pela coletividade é muito importante, para que os indivíduos lidem com as mudanças sem perder o gosto pela vida. Na realidade pós-moderna a construção social da confiança do indivíduo na sociedade e nas instituições passa por transformações, porque a insegurança e o medo passam a ser constantes em virtude dos novos riscos, que surgiram com o desenvolvimento tecnológico, como a possibilidade de uma guerra nuclear. Se antes havia a crença de que o desenvolvimento da ciência proporcionaria paz aos seres humanos, o século XX provou para toda a humanidade que o conhecimento científico pode destruir a vida humana em sua totalidade. De acordo com essa perspectiva a construção da confiança se apresenta como meio para administrar os riscos e evitar a anomia social. A sociedade possui poder de moldar o comportamento do indivíduo na medida em que pode coagir, mas também é responsável pela construção dos papéis sociais, promovendo a possibilidade de escolha.

5-Zygmunt Bauman (1925 - 2017)

     Bauman foi um intelectual polonês compreendeu a sociedade pós-moderna como ambiente onde as relações são “líquidas”, isto é, sem o compromisso que havia nas relações humanas na época anterior. A identidade nessa nova realidade é marcada pelo sentimento de pertencimento do indivíduo ao grupo social, porque assim se vê como parte da sociedade. Ele chama atenção para a relação entre o medo, a insegurança e falta de empatia no novo mundo das relações líquidas. Esse comportamento está presente em nosso cotidiano quando sentimos dificuldade em olhar quem põe em risco a nossa integridade física e psicológica com empatia. Nesse sentido o medo e a insegurança se transformam em obstáculos de amor ao próximo, e se concretiza no discurso de violação aos direitos humanos.

     A vitória do capitalismo, com a Queda do Muro de Berlin, representou de modo concreto a supremacia do individualismo em detrimento da perspectiva coletiva de convívio humano. E para Bauman o culto ao interesse individual culminou no abandono pelo comportamento de insistência em fazer com que as relações de orientação coletiva prosperem. As escolhas individuais se localizam acima dos interesses coletivos que existem num partido político, por exemplo. As relações que se constroem são chamadas pelo autor de “conexão” e substituem as anteriores, onde havia compromisso e responsabilidade entre as pessoas. As conexões são facilmente identificadas em redes sociais, onde os laços afetivos se constroem por afinidade e pouca ou nenhuma responsabilidade interpessoal.

     Bauman compreende que os laços afetivos passaram por transformações que comprometeram os sentimentos das pessoas em relação aos outros e a si mesmas. A crescente caminhada em direção ao individualismo criou um ambiente social de tanta incerteza e insegurança que o amor em relação recíproca, como havia antes, deu lugar ao conjunto de regras de punem quem faz mal ao outro. Desse modo entendemos que o afeto em relação ao outro não é natural, mas construído através da cultura. Quando essa construção deixa de existir emerge o que há de mais natural no indivíduo, que é centrada puramente no eu. Essa análise do autor tem como base o entendimento que se não houver uma construção social orientando as pessoas a atuarem em relação ao outro de modo humano é possível que a sociedade caminhe para a autodestruição.

     Bauman considerou que uma das consequências da globalização é a crescente quantidade de refugiados, em virtude da existência das guerras. A condição do refugiado é de completo isolamento do que define a existência humana na vida em sociedade, porque há perda da residência, do convívio com seus semelhantes no que diz respeito ao campo da cultura e do ofício através do qual a pessoa adquire os bens que precisa para viver. Nesse sentido o refugiado perde todos os elementos que fazem parte da vida cotidiana de um ser humano e passa a ter a sua existência condicionada aos movimentos de ajuda humanitária. Essa situação para o autor é muito prejudicial para a vida política porque considera que todas as pessoas precisam se sentir seguras em relação à sua sobrevivência para desenvolverem as condições necessárias para participarem efetivamente da vida política, e se for necessário lutar por esse direito.

     A globalização no que diz respeito ao fluxo de pessoas promoveu a divisão entre o que Bauman chama de “turistas” e “vagabundos”. Dentro dessa interpretação o turista se define pela pessoa que possui condições de usufruir dos benefícios promovidos da era global, ao passo que o vagabundo é definido como a pessoa que se localiza a margem das oportunidades que surgem nas novas relações no mundo globalizado. Sendo assim, houve o aprofundamento das históricas desigualdades que existem entre as sociedades humanas.

     Outro fator interessante para Bauman é o conflito entre as culturas locais e a cultura global, porque o medo e a insegurança podem fazer com que as pessoas sintam desejo de restaurar os elementos das culturas locais, orientadas pela tradição, onde localizam segurança e estabilidade.

Antropologia


Natureza e cultura na sociedade brasileira: o olhar científico.


Por qual razão devemos estudar cultura? Como se pode construir uma leitura da cultura do outro que não seja marcada por preconceitos ou princípios de exclusão? Perguntas como essas deram origem ao debate da cultura que temos hoje, debate este que passou por muitas transições, desde um período onde os antropólogos buscavam reafirmar uma pretensa superioridade cultural, até o momento em que começaram a acolher a diversidade cultural como um elemento genuinamente humano.


1-Dos primeiros encontros ao surgimento da antropologia

     Brasil é o nome do país em que vivemos, mas nem sempre esse lugar teve esse nome. Aqui moravam as pessoas que popularmente chamamos de índios, que eram os autóctones, ou seja, as pessoas nativas da terra. Eles viviam com seus costumes, possuíam sistemas de classificações coletivas próprios, até o momento em que os Portugueses chegaram e deram início a um processo de ocupação do território, em torno do ano 1500.   O encontro entre portugueses e autóctones foi marcado pelo “estranhamento”, que esteve presente na construção das relações de poder em nossa sociedade. Os portugueses pensavam que o modo como os europeus viviam era “civilizado” e “correto”. Eles consideravam que o modo de viver dos outros povos era “inferior”, simplesmente por ser diferente. Esse modo de pensamento fazia parte daquela época, por isso quando estudamos a história do Brasil devemos ter cuidado para não cometer anacronismo histórico, isto é, olhar para o passado sem considerar que a mentalidade era outra, diferente da nossa. Isso significa que o modo de ver a realidade muda conforme o tempo. Olhar para o passado é importante para compreender o presente, mas é preciso considerar que o modo de ver o mundo passa por mudanças que devem ser respeitadas.

     Do encontro entre europeus e os diversos povos da Terra surgiu a Antropologia, uma área de conhecimento dedicada à compreensão da alteridade, isto é, do outro que é diferente. Quando falamos sobre o que significa ser civilizado ou bárbaro, estamos tratando das diferenças entre os povos, no que diz respeito ao modo como percebem e interagem com o mundo que os cerca. Essa classificação se traduz no modo como um povo se sente em relação ao outro, superior ou inferior. O estudo da relação de superioridade e inferioridade no encontro entre diferentes culturas faz parte Antropologia, que significa estudo do ser humano. Os primeiros antropólogos surgiram no século XIX e seus estudos formaram o que hoje conhecemos como evolucionismo.

     De acordo com os teóricos evolucionistas as sociedades europeias eram civilizadas e serviam como modelo para as demais sociedades, consideradas primitivas. A civilização era equivalente ao que era melhor, superior, desenvolvido; a sociedade que fosse diferente era compreendida como primitiva, inferior, com características que a afastavam do que seria melhor para a humanidade. Dessa forma, haveria uma obrigação dos europeus de levarem a civilização para os outros povos, o que era chamado de fardo do homem branco. Essa visão de mundo é definida atualmente pela Antropologia como etnocêntrica, porque consiste em uma interpretação das culturas de modo que as organiza hierarquicamente, considerando que umas são melhores do que as outras. O etnocentrismo fez parte da teoria da evolução das sociedades humanas, chamada de darwinismo social. Essa teoria tem origem nas ideias de Charles Darwin, que acreditava que a humanidade tinha sido resultado da evolução das diversas espécies que existem na natureza. Naquela época as ideias de Darwin foram utilizadas pelas pessoas que buscavam entender as sociedades humanas. E assim surgiu o darwinismo social, onde estava presente o etnocentrismo como explicação para as diferenças entre as culturas.
    
2-Referências teóricas indispensáveis para compreendermos o início da Antropologia

2.1-Auguste Comte (1798 - 1857)

A contribuição de Comte foi fundamental tanto para o surgimento da Sociologia como disciplina científica quanto para a Antropologia, na medida em que torna possível entender em suas obras qual era o modo como os intelectuais compreendiam o mundo naquela época. Ele era um filósofo francês que pensava as sociedades a partir de três princípios básicos, a prioridade do todo sobre as partes, o progresso do conhecimento e o entendimento de que o homem possui características universais em sua essência.

De acordo a ideia dos princípios básicos o autor concluiu que todas as sociedades humanas possuem o mesmo destino cultural. O que o autor compreende por sociedade avançada consiste num determinado sistema de classificações (cultura) será alcançado por todas as sociedades de forma progressiva e com a mesma trajetória. Trata-se de uma perspectiva evolucionista, forma de pensamento predominante na época (século XIX). Foi a partir da perspectiva evolucionista que o autor desenvolveu a lei dos três estados:


1. Estado teológico ou fictício, subdividido em fetichismo, politeísmo e monoteísmo: nesse estágio de evolução os seres humanos explicam o mundo que o cerca através de histórias que envolvem seres que não se encontram no mundo em que vivemos. Esses seres que vivem no mundo sobrenatural, isto é, além do mundo em que vivemos que é natural, material, porque o vemos e sentimos seus fenômenos, como a chuva, o calor do sol e o vento, por exemplo. É comum nesse estágio de evolução que a explicação para os fenômenos desconhecidos seja buscada nos seres imateriais, popularmente chamados de deuses. Dentro desse entendimento o filósofo destacou três tipos de estágio teológico/fictício, denominados:

a. fetichismo: explicação da vida humana a partir de forças sobrenaturais cuja origem se encontra em animais ou criaturas inanimadas. Isso significa considerar, por exemplo, que objetos concretos, que fazem parte do cotidiano das pessoas, possuem vida e poderes. E desse modo seria possível explicar a vida humana e o mundo que a cerca.

b. politeísmo: as características da natureza humana possuem sua origem nos deuses. Nesse sentido acredita-se existem seres num mundo diferente do nosso. Esses seres têm poderes e vontade própria, além da capacidade de intervir nas relações entre os homens em nosso mundo.

c. monoteísmo: há somente em um Deus, que é um ser sobrenatural, uma vez que se encontra em outro mundo, que possui poderes, vontade própria, podendo intervir nas relações humanas.

2. Estado metafísico ou abstrato: nesse período os filósofos se dedicam ao estudo da metafísica, busca pelas causas primeiras e pela essência dos entes (seres).

     Metafísica é o que se localiza além do mundo físico, material, que pode ser identificado pelos sentidos. A diferença entre o estágio teológico e o metafísico é que nesse não se buscam explicações em seres que transitam entre o mundo material (natural) e o mundo imaterial (sobrenatural). Os filósofos metafísicos buscavam explicações racionais para a origem do mundo que os cercava. Tais explicações eram buscadas através das ideias racionalmente construídas, o que não se verifica no estágio teológico, onde a razão é submetida à vontade dos deuses, por exemplo.

3. Estado positivo ou científico: momento de substituição da Filosofia pela ciência em sua trajetória de investigação acerca do princípio e fim do universo. Caberia ao conhecimento científico estabelecer as leis e regularidade e acontecimento e realidade dos acontecimentos que pudessem ser observados.

     Para Comte as ciências abstratas se localizam na base das sociedades e delas dependem as ciências concretas. Foi construída pelo autor uma hierarquia de disciplinas: matemática, astronomia, física, química, biologia e sociologia.

     Entre todas as disciplinas a sociologia é a mais importante porque se constitui na síntese das ciências humanas (Filosofia, História, Moral, Psicologia, Política, Economia). Comte acreditava que o estudo das relações entre as pessoas é a mais importante produção de conhecimento e dividiu a Sociologia em duas importantes áreas:

a. Estática social: pesquisa acerca do que há de permanente nas sociedades, trata-se da ideia de ordem. Para compreender a estática social é só lembrar que existem coisas que são iguais em todas as culturas, porque fazem parte da estrutura social de todas das sociedades humanas, tais como a distribuição das riquezas, educação dos mais jovens, relações poder e regras de parentesco.

Caixa de texto: Curiosidade!!

Comte realizou a ruptura com a construção teórica contratualista, segundo a qual os indivíduos dão origem à sociedade, mas o contrário. Com a intenção de reorganizar as instituições dilaceradas pelas revoluções francesa e industrial, tanto Saint- Simon quanto Comte dedicaram-se a pensar acerca da possibilidade de criação de uma religião orientada por uma moral que fosse capaz de promover a solidariedade necessária à nova ordem social, política e econômica. No Brasil a construção teórica positivista influenciou as ideias que motivaram o processo de independência, cuja premissa se encontra na bandeira nacional: ordem e progresso. Nesse caso ordem significa que existe em nosso país enquanto estrutura social; e progresso corresponde à crença de que o progresso científico seria excelente para o desenvolvimento do país. Nessa época que as pessoas acreditavam que o progresso da ciência seria suficiente para o desenvolvimento das sociedades humanas.

b. Dinâmica social: pesquisa acerca do processo de desenvolvimento histórico das sociedades, trata-se da ideia de progresso. Para entender o que é dinâmica social basta lembrar que a partir da estrutura social os seres humanos classificam o que é bom ou ruim para a vida em sociedade. Trata-se dos sistemas de classificações coletivas. A dinâmica social, desse modo, corresponde à estratificação social, porque é o desdobramento da estrutura social. Por exemplo, em todas as culturas os mais jovens são educados, isso é estrutura social; mas o tipo de educação muda conforme a época e o lugar, por esse motivo é o desdobramento da estrutura social, que chamamos de estratificação social, ou seja, o tipo de educação específico de uma determinada cultura, assim como as relações de poder, distribuição das riquezas e regras de parentesco.

2.2-Herbert Spencer (1820-1903)

Sociólogo inglês que difundiu o Darwinismo Social. De acordo com essa perspectiva teórica todas sociedades passam por estágios de evolução, conforme a teoria da evolução das espécies de Charles Darwin. De acordo com essa perspectiva teórica os fenômenos sociais seriam estudados de modo semelhante às ciências naturais, com os mesmos procedimentos. Essa compreensão evolucionista das sociedades humanas tinha como matriz as sociedades europeias. Isso significa que as demais sociedades eram estudadas e suas características culturais eram comparadas com o modo de viver dos europeus. Através dessas comparações as sociedades europeias eram classificadas como civilizadas, enquanto as demais eram classificadas como mais ou menos primitivas, de acordo com o estágio de evolução em que estivesse.

Hoje já sabemos que as ciências sociais não podem utilizar os mesmos procedimentos das ciências naturais, porque lida com pessoas, que não possuem as mesmas reações diante das mesmas situações. Um exemplo dessa impossibilidade é a comparação entre um procedimento químico para criar um remédio e uma manifestação popular. A mistura das substâncias químicas terá os resultados esperados, diferente da manifestação, porque cada pessoa a interpreta de modo individual. Por esse motivo atualmente podemos afirmar que nas ciências sociais está presente a subjetividade humana, diferente das ciências naturais, onde prevalece a objetividade. Enquanto a subjetividade depende da compreensão individual de cada pessoa, a objetividade independe de como cada pessoa compreende a realidade que a cerca.

2.3 Edward Burnett Tylor (1832-1917)

Tylor acreditava na compreensão evolucionista da história da humanidade. De acordo com essa perspectiva darwinista social as sociedades humanas poderiam ser pensadas a partir da dualidade entre civilização e barbárie. Nesse sentido as sociedades europeias são civilizadas e superiores às demais sociedades humanas. Ele considerava que o antropólogo deveria classificar as sociedades humanas a partir de dois limites, de um lado as sociedades europeias e do outro as sociedades com a máxima quantidade possível de características diferentes. A alteridade, ou seja, a diferença era tratada por ele como selvageria. Essa dicotomia entre civilização e barbárie trouxe consequências que estão presentes até hoje nas sociedades humanas, como a discriminação racial, por exemplo.

2.4 James George Frazer  (1854-1941)

Frazer foi responsável pela criação de uma teoria das religiões, através de uma interpretação generalizada. Ele acreditava que antes da religião existia a magia. Através da magia os seres humanos tentaram controlar o mundo que os cercava, mas não conseguiram. Por causa desse fracasso os seres humanos criaram a religião porque acreditavam que por meio de sacrifícios e orações seria possível controlar forças que se localizam além do mundo natural. Trata-se de um processo de conciliação entre os interesses dos seres humanos, que vivem no mundo natural e os seres que se encontram no mundo sobrenatural.

     Os antropólogos evolucionistas não tinham contato com as sociedades humanas sobre as quais escreviam. Eles se referiam a essas pessoas como nativos, com objetivo de dizer que eram inferiores. Seus escritos eram construídos a partir de relatos de viajantes, pessoas que em suas viagens tinham contato com os “nativos” e quando retornavam para a Europa contavam para os antropólogos o que tinham observado. Em virtude da falta de contato com os nativos, esses antropólogos são considerados “antropólogos de gabinete”.

3-Surgimento da corrente Culturalista Norte-Americana na Antropologia
    
     No início do século XX vai surgir um importante antropólogo, Franz Boas. Sua contribuição para o estudo das culturas é fundamental para entendermos o mundo em que vivemos hoje. De acordo com esse autor as diferentes culturas que existem no mundo podem ser comparadas, mas não devemos estabelecer hierarquia a partir do modo de viver dos europeus. Essa novidade no estudo da Antropologia recebeu o nome de relativismo cultural.

     Os antropólogos adeptos do relativismo cultural vão se opor ao etnocentrismo que estava presente na perspectiva evolucionista porque embora aceitassem a comparação entre diferentes culturas, eram indiscutivelmente contra a classificação de modo hierárquico. O evolucionismo se localiza próximo à perspectiva etnocêntrica porque julga que existem culturas superiores, que são as europeias; e culturas inferiores, que são as demais culturas. Quanto mais próximas das culturas europeias mais civilizadas e menos bárbaras são as culturas que se encontram entre os extremos considerados civilização e barbárie. Franz Boas fez uma crítica ao etnocentrismo presente no evolucionismo quando cria o conceito e relativismo cultural, e assim criou o suporte da Antropologia Moderna, que tem em Malinowski importante expressão teórica.
            A partir deste processo a antropologia ganhou um novo direcionamento, passando a buscar um afastamento das leituras etnocêntricas e abraçando os elementos diversos a partir de suas teorias e propostas, veremos a seguir como cada corrente antropológica corroborou e ampliou esta visão.

3.1  Surgimento da corrente Funcionalista na Antropologia

Bronislaw Malinowski (1884-1942)

A contribuição teórica de Malinowski foi fundamental para a Antropologia Moderna porque ele apresentou uma novidade, a etnografia, também conhecida como “observação participante”. De acordo com essa proposta o antropólogo, que também pode ser considerado etnólogo, deve conviver com a sociedade humana que deseja pesquisar, até que se torne capaz de compreender o mundo que o cerca conforme os membros do grupo. Para que o antropólogo realize seu trabalho com sucesso é indispensável que seja realizado o rito de passagem. Trata-se do momento em que a pessoa não se encontra em sua cultura de origem, mas ainda não faz parte da cultura onde está vivendo, porque não é compreendido como membro do grupo. Nesse sentido o rito de passagem torna possível que a pessoa se torne membro do novo grupo social do qual está inserido.

Outra importante percepção de Malinowski foi a de quem em todas as culturas existem necessidades que são fundamentais para o grupo, tais como defesa, alimentação e habitação. Somente após ser decidido como essas necessidades serão atendidas as demais serão construídas, como educação e regras de parentesco, por exemplo. Nesse sentido é possível compreender que para ele as construções sociais existem para atender primeiro as necessidades biológicas.

3.2 Surgimento da corrente Estrutural-funcionalista na Antropologia

Alfred Radcliffe-Brown (1881-1955)

Era um antropólogo muito preocupado com a consolidação da Antropologia como conhecimento científico. Considerava que o pesquisador deveria estar atento aos elementos culturais porque possuem significado para o grupo social. Os símbolos religiosos, por exemplo, possuem significado para os seguidores de determinada religião. Nesse sentido, tais símbolos fazem contribuem para a organização e coesão da vida das pessoas em sociedade. Em seus estudos sobre as regras de parentesco concluiu que eram determinadas pela ancestralidade em comum.

Para esse autor as sociedades humanas deveriam ser estudadas como se fossem corpos humanos, porque assim como cada órgão desempenha uma função específica no corpo humano, nas sociedades humanas as pessoas desempenham funções que garantem a estabilidade social. Isso significa que todas as pessoas na vida em sociedade já sabem o que esperar das outras pessoas nas diversas situações do cotidiano. Imagine uma instituição social como um hospital, por exemplo, quando entramos já sabemos como devemos agir, do mesmo modo que sabemos também como as pessoas irão se comportar em suas funções sociais. Por esse motivo, para o antropólogo, é importante que as sociedades humanas sejam estudadas considerando suas partes, uma vez que é a integração delas que vai definir qual é o perfil de determinado grupo social. É assim que podemos entender como os grupos humanos são diferentes, estudando o funcionamento das partes que o formam, construindo a sua totalidade. Quando as pessoas desempenham as suas funções sociais estão tornando visível e concreta a estrutura social. É comum que as pessoas digam que se sentem bem em suas ações cotidianas. Isso acontece porque a própria sociedade, com as suas normas e regulamentos, faz com que as pessoas pensem que estão agindo por livre e espontânea vontade, quando na verdade até os seus sentimentos de satisfação ou insatisfação são produzidos pelo corpo social.

3.3   Surgimento da corrente Estruturalista na Antropologia

Claude Lévi-Strauss (1908-2009)

Lévi-Strauss considerou que as sociedades humanas são organizadas a partir de estruturas sociais que contém elementos culturais. Através do estudo desses elementos é possível compreender como as pessoas de determinado grupo social explicam o mundo que as cerca. Em sua pesquisa sobre os mitos ele considerou que era muito importante entender o mito em relação aos demais mitos e elementos culturais. Outro aspecto destacado pelo autor é a construção das linguagens pelos seres humanos na vida em sociedade, com objetivo de exercer domínio no mundo.

Em seus estudos sobre regras de parentesco concluiu que eram construídas quando havia casamento entre uma mulher de uma família com um homem de outra família. O incesto surge em seu entendimento como proibido a partir do momento que os seres humanos começam a produzir cultura, ou seja, sistemas de classificações coletivas sobre que é certo, errado, justo, injusto... Desse modo é possível afirmar que houve um momento da história da humanidade em que os homens viviam em estado de natureza, sem organização social definida.

O rito de passagem era compreendido pelo antropólogo como momento em que o ser humano se encontra numa situação em que o faz refletir sobre as suas experiências no mundo em vive. Nesse momento em que a pessoa pensa sobre sua relação com mundo através de um rito, está em processo de mudança, que resultará numa nova relação com mundo que cerca. Desse modo o ser humano vivencia uma mudança tanto no plano do pensamento quanto nas suas relações com o mundo, porque houve mudança de interpretação de mundo. Essa é a função do rito de passagem, mudar a interpretação de mundo, por isso o rito pode ser considerado como uma passagem simbólica no que diz respeito ao pensamento, porque muda o modo de pensar sobre o mundo, mudando também as relações das pessoas com as outras pessoas e com mundo que as cerca.

3.4 Surgimento da corrente Interpretativa na Antropologia

Clifford Geertz (1926-2006)

Geertz é considerado o responsável pelo surgimento da Antropologia Interpretativa. Em sua tentativa de reorganização do conceito de cultura entendia que a cultura possuía sentido semiótico, ou seja, uma construção de sistemas de comunicação que tornam possível a existência de um conjunto de classificações coletivas que atribuem sentido ao mundo e às relações humanas. O comportamento das pessoas são ações simbólicas, repletas de significados. Desse modo as representações sociais são como reflexos desses sistemas, onde as ações humanas correspondem a esses sistemas de classificações, que definem como as pessoas irão se comportar tanto em relação às outras pessoas quanto diante da natureza. Por esse motivo para esse antropólogo é fundamental estudar as culturas através da interpretação das representações sociais, que possuem significados que podem ser identificados nas ações das pessoas na vida em sociedade.

Para Geertz o estudo das religiões é importante porque amplia a compreensão da visão de mundo do grupo pesquisado, uma vez que pretende explicar tanto a realidade concreta, presente nas relações entre os homens e com a natureza, quanto a realidade que se localiza além do mundo natural. Nas religiões é possível encontrar um conjunto de símbolos que orientam a tanto a compreensão de mundo das pessoas quanto o comportamento na vida em sociedade. A influência da religião na vida de uma pessoa pode ser tão grande que seu estudo aumenta a possibilidade de entendimento do antropólogo sobre o que é verdadeiro para determinado grupo social. Esse estudo deve ser feito considerando os significados dos símbolos presentes na religião e como eles se relacionam com o modo como as pessoas percebem o mundo.

domingo, 19 de abril de 2020

Max Weber: A ética protestante e o espírito do capitalismo.

A ética protestante e o espírito do capitalismo.

Para viver o espírito do capitalismo o indivíduo precisa ser um asceta. O capitalismo por si mesmo não engendrou a conduta asceta, quem a criou foi o protestantismo, mais especificamente o calvinismo.

Os protestantes são pessoas dotadas de uma disciplina própria da religião. Esse ethos diante da vida e do trabalho favoreceu o desenvolvimento do capitalismo nas sociedades cuja religião predominante foi a protestante.

O tipo ideal de conduta religiosa capaz de promover o desenvolvimento do capitalismo qualitativamente foi a protestante calvinista. O ascetismo católico e luterano não foi capaz de contribuir significativamente porque para o primeiro deve ser esperada uma recompensa após a morte, e para o segundo a ação humana é dispensada como elemento que torna possível a salvação, reafirmando a concepção tradicionalista da vida na Terra.

Na Alemanha do tempo de Weber os homens de negócios bem sucedidos, proprietários de capital,
assim como os trabalhadores mais bem sucedidos em sua carreira profissional eram, em sua maioria, protestantes.

A reforma protestante promoveu a inovação das formas de controle sobre o cotidiano das pessoas. Isso aconteceu porque diferente dos católicos, que preferiam, majoritariamente, a aprendizagem oferecida pelos ginásios humanísticos, os protestantes optavam, em sua maioria, pelo ensino ofertado em instituições que valorizavam o saber técnico para execução de funções comerciais e industriais. 

Nesse contexto social o homem encontra-se envolvido pela ideologia de que a aquisição de dinheiro é a finalidade da vida, mas não se trata de ganhar dinheiro de qualquer modo, mas de forma honesta, de acordo com parâmetros estabelecidos em leis instituídas. Esse tipo de aquisição de dinheiro é reflexo do modelo ensino a que o protestante foi submetido, ao formato de educação que recebeu. A disciplina foi indispensável para o êxito dos protestantes na nova ordem econômica.

A aquisição do dinheiro não destinada à conquista de bens materiais, mas para realizar a multiplicação por meio da maximização constante do lucro.

A honestidade também foi importantíssima para o desenvolvimento do capitalismo. Weber identificou que, onde o desenvolvimento burguês-capitalista, de acordo com os padrões ocidentais, se encontrava atrasado, as pessoas não se preocupavam em ganhar dinheiro de modo honesto em relação às leis vigentes.

O capitalismo não é um sistema, mas, sobretudo, uma ação racional relativa a fim, ou seja, à maximização constante do lucro na moderna sociedade capitalista. A principal motivação para o capitalismo é o seu “espírito”, fazer do capitalismo um valor em si mesmo, na medida em que usa o dinheiro com a finalidade de gerar mais dinheiro. Essa perspectiva tem origem no modo de vida calvinista. O ethos foi o hábito proveniente de uma educação que criou valores, normatizou comportamentos e atitudes diante da vida e do trabalho.

O protestante é o sujeito coletivo, ainda que a sua ação seja individual, porque o social só existe se cada um vivê-lo. Nesse caso o espírito do capitalismo só existe se o sujeito, em ação individual, viver a sua representação. Porque toda e qualquer criação carece de atores sociais para representá-la. Mas não se trata aqui de qualquer protestantismo, mas um tipo específico, cuja ação dos seus membros é racional relativa a valores, que não exclui a existência de uma finalidade, que é a salvação.

Para o católico a sua igreja detinha o poder de determinar quem seria salvo, o absolvia e realizava um sistema de compensações, para o calvinista sua vida deveria corresponder a um método específico de conduta, ou seja, uma rígida disciplina. Era uma conduta que conduzia o cristão à salvação. Houve a substituição da ética católica, que consistia na existência de uma aristocracia espiritual dos monges, pela ética da predestinação. Ao contrário dos monges, que ocupavam uma posição social à parte do mundo, os protestantes predestinados eram pessoas que formavam um novo segmento social, igualmente valorizado por Deus, mas inseridos no mundo.

No processo de construção da ética asceta protestante calvinista foi realizada uma sistematização das informações contidas no Velho Testamento, que embora possuísse uma moral tradicionalista, estavam também componentes que favoreceram o desenvolvimento do pequeno-burguês, principalmente nos livros intitulados Salmos e Provérbios. A raiz do perfil utilitário da ética calvinista localiza-se no ideal de vocação como área estabelecida para a realização de determinada atividade.

A doutrina da predestinação possui natureza na convicção de Calvino acerca da sua salvação, que estava centrada na confiança depositada em Cristo. Era a fé persistente, em última instância, o único elemento capaz de diferenciar os eleitos dos não eleitos, uma vez que as experiências de ambos podem ser semelhantes.