terça-feira, 9 de abril de 2019

Martin Heidegger, por Fernando Costa Mattos, disponível no Canal QUEM SOMOS NÓS (YouTube)


A tentativa de reabrir a questão do ser marca a produção de Heidegger.

O ser é o existir em geral. Nesse sentido a existência é um milagre. A existência se manifesta através do ser. Cada um de nós, cada coisa é um ente, ou seja, uma manifestação do ser. Existir é o ser, é o brotar da existência, e nós somos a manifestação desse ser. Platão chama o ser de ideia, Aristóteles chama de energia, Descartes chama de cogito (pensamento), Nietzsche chama de vontade de potência, Heidegger chama de ser aí, onde trata da capacidade humana de conhecer o mundo. Quando o bebê nasce começa o ser no mundo. Assim que nasce ele ainda não é um ser no mundo, mas está misturado no mundo, com a mãe, por exemplo.

Para Heidegger a poesia é o meio através do qual a arte fala através do artista.

Para Kant o ser é a coisa em si, por isso  não podemos conhecer e devemos deixar de lado.

Heidegger: a angústia acontece quando a pessoa não se sente em conexão com o mundo, devido a algum episódio, quando a pessoa é tomada pelo nada. É nesse momento que o mundo dos entes deixa de fazer sentido e a pessoa se dedica a reflexão sobre o ser. Essa é a grande questão do existencialismo. Para ele existem dois caminhos possíveis: mergulhar na questão do ser e buscar o significado mais autêntico; o outro caminho é retornar ao mundo dos entes, o que demanda muito esforço da pessoa, que significa o abandono da autenticidade. A vida em sociedade constrói no indivíduo uma identidade, isso é o impessoal, uma certa compreensão de mundo que todo mundo divide. Essa experiência faz com que muita gente jamais questione a própria existência, até o momento em que acontece alguma coisa que faz com que a pessoa não se sinta parte do mundo, quando fica angustiada. Esse retorno Sartre chama de agir de má fé.

O impessoal para Heidegger acontece quando a pessoa segue as referências instituídas pelo mundo dos entes, ou seja, construído pelas pessoas na vida em sociedade.

O "eu" se forma nas vivências da pessoa, junto com a formação genética. Esse "eu" busca ou não a autenticidade diante da angústia de se encontrar imerso no "nada", quando falta conexão com a vida em sociedade, construída pelos "entes".

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Oliveira Vianna

Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951)

A contribuição de Oliveira Vianna no cenário político brasileiro é notável. Ele participou do Estado Novo (1937-1946) sendo protagonista da formulação de políticas sindicais trabalhistas, no que diz respeito à conciliação de interesses do governo e dos trabalhadores; atuou no sentido de criar direitos sociais, principalmente em relação à educação. Nesse período de modernização conservadora foi criado o documento oficial de Consolidação das Leis Trabalhistas e houve significativa redução do índice de analfabetismo.

Oliveira Vianna, influenciado pela visão de mundo de sua época, compreendia que o branqueamento do tom da cor da pele da população seria bom para a sociedade brasileira. Essa interpretação da realidade era resultado da crença de que os problemas que existiam no país eram consequência da composição das raças, de origem autóctone - nativo das terras futuramente denominadas brasileiras -, europeia e africana. Naquela época havia dois grupos de intelectuais, o que acreditava que a miscigenação levaria a esterilidade da sociedade brasileira e o que considerava que a miscigenação seria boa porque promoveria o clareamento do tom da cor da pele e o progresso seria alcançado, com uma nova civilização. A produção científica nessa época correspondia a essa visão de mundo, que realizava cálculos sobre a quantidade de pessoas brancas que deveria ser introduzida na sociedade para que num determinado espaço de tempo fosse construída uma nova sociedade. Desse modo a raça era compreendida como uma base a partir da qual no jogo de relações sociais vai se definindo um novo tipo de indivíduo.

Na década de 1930 a ideia de raça começará a ser questionada por uma nova interpretação da realidade, que deslocará o centro do debate para o campo da cultura. As instituições de Ciências Sociais, em seus estudos sobre a composição étnica da sociedade brasileira, começaram a se deslocar da explicação biológica para a social. Por esse motivo Oliveira Vianna é considerado racista por alguns intelectuais que fizeram parte da nova geração de pesquisas sobre raça.

Oliveira Vianna era muito preocupado com a unidade nacional e por isso se dedica em seus estudos a identificar os motivos que fizeram com a sociedade estivesse dividida, porque assim seria possível propor novas formas de ordenamentos jurídicos e políticos. Essa compreensão do autor é bem interessante para pensarmos sobre o conjunto de normas jurídicas que existem no Brasil e como é possível que contribuam para garantir a unidade nacional.

Enquanto nação, Vianna considera que somos portadores de aspectos que nos tornam diferentes dos outros povos, por causa da miscigenação. Mas essa originalidade não torna o povo brasileiro uniforme. E por esse motivo ele entendia que seria importante a construção de uma cultura política de acordo com a realidade brasileira.

Na década de 1930 aqui no Brasil havia uma discussão promovida pelos cientistas sociais sobre a formação da sociedade brasileira. Oliveira Vianna faz parte dessa geração de intelectuais e escreve sobre as relações entre Estado e sociedade. O autor compreendia que a indistinção entre a esfera pública e a privada existe por causa da estrutura agrária sobre a qual que organizou o Estado e as demais relações sociais. Essa falta de separação entre o público e o privado na história do Brasil é concretizada na apropriação privada do interesse público. Isso acontece quando as relações pessoais são tratadas como mais importantes do que as relações impessoais.
Um exemplo atual e muito pertinente é a corrupção, que torna concreta a submissão dos interesses públicos e impessoais aos interesses privados e pessoais. Pode ocorrer também na relação entre Estado e religião. De acordo com a Constituição Federal promulgada em 1988, considerada Constituição Cidadã, o Estado brasileiro é laico, isto é, neutro no que se refere à religião, em respeito à diversidade religiosa que existe em nosso território. Mas imagine que alguns líderes políticos não respeitem a Constituição Federal Brasileira e atuem no sentido de favorecer ou desfavorecer uma ou mais religiões que existem em nossa cultura, isso seria outro exemplo de indistinção entre o interesse público e o interesse privado, uma vez que a religião é uma escolha íntima e pessoal, enquanto o Estado e a suas instituições são impessoais e devem respeitar a Constituição Federal. Ainda que os eleitores sejam majoritariamente seguidores uma determinada religião, é obrigação das pessoas que representam a população ter uma conduta de respeito ao que está na escrito na Constituição vigente no país.



A diferença entre o Brasil Real e o Brasil Legal, que se manifesta através da indistinção entre o público e o privado, existe segundo Vianna porque a organização das instituições oficiais de poder tiveram como inspiração modelos de outros países, e não houve adaptação concreta à realidade brasileira. Um exemplo atual bem interessante é a relação entre as teses de defesa do conjunto de Direitos Humanos e a rejeição por parte da sociedade a essa proposta. As teses que compõe o conjunto de Direitos Humanos vigentes no Brasil têm origem na Europa, no final da Segunda Guerra Mundial, em virtude do Holocausto promovido contra judeus, comunistas, ciganos e qualquer outro grupo social que são colaborasse com os governos fascistas de Hitler, na Alemanha, e Mussolini, na Itália..

A contribuição teórica de Oliveira Vianna possui importância indiscutível para facilitar o entendimento acerca da realidade brasileira até a atualidade. Ele destaca a relevância da necessidade de construção de instituições oficiais de poder que estejam em harmonia com a realidade concreta da sociedade brasileira, para que acabe o conflito entre o Brasil Legal e o Brasil Real. No Brasil Legal se encontra o conjunto de normas jurídicas construídas pelas elites para a totalidade da população, que dará origem ao conjunto de instituições oficiais de poder inadequadas à realidade. Essa incompatibilidade existirá porque as normas jurídicas foram inspiradas em ideias que foram importadas de outros países, com cultura completamente diferente da nossa. É nesse sentido que se localiza a crítica do autor direcionada tanto à República quanto ao modelo liberal que ele identificou no Brasil, uma vez que era a monarquia que traduzia a união social, e não o povo com sua cultura.


Para ele nossa formação foi singular, temos uma especificidade, por isso temos que forjar nossas próprias instituições, de acordo com a nossa realidade. Daí o caráter antiliberal de sua obra. Mas há elementos em suas obras que permitem interpretá-lo como autoritário, que seria necessário para formar uma unidade nacional e até mesmo alcançar a democracia.

O Estado Novo inaugura na história brasileira a ideia de política pública, por isso foi uma ditadura modernizadora, por isso dizemos que foi um período antiliberal.Tanto o liberalismo quanto o socialismo, propostas teóricas popularmente conhecidas, respectivamente, como “direita” e “esquerda”, já estavam em crise na Europa, favorecendo o ressurgimento de teorias conservadoras, desenvolvidas por Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto e Robert Michels. Aqui no Brasil a resistência ao liberalismo era sentida na década de 1920 e Oliveira Vianna contribuiu muito para a construção desse entendimento.

Além da rejeição ao liberalismo havia a crítica ao socialismo e ao anarquismo, porque possuem objetivos internacionalistas e universais, ou seja, seus adeptos desejam expandir tais ideias para todos os lugares do mundo, a fim de mudar a realidade das pessoas em todo o planeta Terra. Os conservadores não concordam com essa compreensão de mundo porque são nacionalistas e almejam a preservação da moralidade vigente na cultura local. Como exemplo podemos verificar a resistência dos conservadores no Brasil em aceitar as propostas dos Movimentos Sociais, em virtude de possuíram pautas que desejam tornar realidade no mundo inteiro. Isso significa que as reivindicações dos movimentos sociais são internacionalistas.

Oliveira Vianna desenvolveu uma tese sobre o que considerou ação simplificadora do domínio rural. De acordo com essa proposta foi realizada no Brasil uma distribuição de terras que comprometeu o desenvolvimento do comércio, da indústria e dos núcleos urbanos. Isso aconteceu porque Portugal se preocupou somente com a proteção das terras contra invasões de outros povos. Nesse sentido, as capitanias hereditárias enquanto modelo de distribuição de terras produziram uma estrutura fundiária onde a solidariedade é construída a partir de interesses comuns, o que atrapalha muito o desenvolvimento da divisão social do trabalho que existe nas sociedades complexas. Nesse sentido a ação simplificadora se opõe à divisão social do trabalho complexa, cuja existência depende do comércio, da indústria e dos núcleos urbanos.

Se considerarmos “classe média” no sentido europeu da expressão também perceberemos que aqui não existe por causa da ação simplificadora. Oliveira Vianna inclusive compara os latifúndios no Brasil com os feudos que existiam na Idade Média na Europa. Os proprietários das terras não tinham somente poder econômico, mas exerciam influência sobre as decisões políticas do país. Nesse sentido é possível afirmar que existiam clãs rurais e os proprietários eram os chefes. Por clã compreende-se a formação de um grupo social em torno de um líder. Essa organização é entendida pelo autor como anarquia branca, em virtude do controle exercido pelos chefes dos clãs sobre as instituições oficiais de poder, como as corporações municipais, por exemplo. Esse tipo de poder local se apropriou de modo privado das funções do Estado, comprometendo seu funcionamento de modo impessoal e público. Ele nem identifica conflito de interesses, mas um arranjo realizado por um patronato político, onde a única forma de solidariedade existente reforçava o poder dos chefes “clãnicos”. Nesse cenário o povo tinha acesso aos direitos públicos somente através dos chefes locais. O único meio de enfrentar esse tipo de organização social seria a construção de um Estado forte e centralizador, com objetivo de garantir o acesso do povo ao que lhe pertencia por direito sem depender dos favores dos chefes locais.

De acordo com o princípio liberal a sociedade civil deveria controlar o poder exercido pelo Estado. Mas Oliveira Vianna entendia que no Brasil isso não seria possível, uma vez essa “sociedade civil” não existe de modo organizado e capaz de controlar o exercício de poder do Estado. Em virtude dessa incapacidade do povo em fazer valer a sua vontade seria melhor a centralização política e administrativa do Estado. Por esse motivo o Estado representou a modernização, outro seja, construção de uma esfera pública autônoma, rompendo com a estrutura “clãnica”, atrasada, equivalente ao modelo feudal.

Oliveira Vianna ainda afirmava que na Europa havia democracia porque lá existia uma sociedade civil coesa, capaz de fazer valer a sua vontade. No Estado Novo a sociedade é uma produção do Estado, e por isso decide como ela será além de ser seu porta-voz.

Maria Isaura Pereira Queiroz

Maria Isaura Pereira de Queiroz (1918 – 100 anos)

Maria Isaura é uma intelectual licenciada em Ciências Sociais pela USP em 1949, produziu a Sociologia do fenômeno político brasileiro. Ela se dedicou ao processo de consolidação da Sociologia Política no Brasil. Em seus estudos ela compreendeu que as relações de poder que existem na sociedade brasileira estão estruturadas sobre a solidariedade familiar. A autora também pesquisou sobre os conflitos entre as famílias e concluiu que fazem parte de um modelo de organização em torno de famílias é um modelo nacional. Nesse cenário é a honra da família que envolve a questão da disputa. É o senhor que decide quando a honra está sendo violada. O poder “territorial” do qual o senhor de terras dispõe é uma característica nacional. O senhor é socialmente considerado “homem bom”. O poder político local é exercido pelo senhor de terra, o “coronel”. Ele exerce o poder político de forma indireta, pois ajuda a eleger os seus representantes e essa é a lógica do mandonismo, ou seja, o que ele manda alguém tem de fazer. O coronel não se elege diretamente, pois senão ele terá que sair do local, ele se faz representar (com essa representação implica uma consequência no estadual e no nacional).

O universo de estudo da Maria Isaura corresponde a uma perspectiva sociológica que considera a existência do que é arcaico e moderno em todas as culturas, ou seja, uma interpretação universalista. O mandonismo é abordado pela autora dentro dessa compreensão, sendo um conceito para explicar a relação entre as elites rurais brasileiras e as sucessivas classes políticas nacionais que se perpetuam no poder desde a época da colônia, até a república. A autora criou esse conceito com objetivo de explicar a maneira pela qual se relacionava a elite com o Estado já existente. Desse modo as elites rurais perdem parcela de seu poder após 1930. Em todo esse período os senhores nunca puderam deixar de se preocupar com o poder político instituído. Essa elite rural foi recorrer ao mandonismo como forma de exercer o poder político. Essa elite rural foi capaz de dominar sucessivamente as classes políticas, fazendo-as representar seus interesses.

Luís Aguiar Costa Pinto

1. Luís de Aguiar Costa Pinto (1920-2002)

Costa Pinto considerava que a Sociologia é uma ciência de transformação social, e que essa  a partir de estudos sobre o processo de desenvolvimento das sociedades humanas. Nesse sentido a mudança social pode ser provocada para atingir um objetivo considerado desejável para promover a modernização e superar o que é arcaico, ou seja, atrasado.

A modernização pode se concretizar através de uma ação planejada do Estado, que envolve a construção de uma organização burocrática, a formação de grandes indústrias e a expressão política dos interesses de diversos grupos sociais. O autor se preocupou em investigar a transição entre uma estrutura de classes rural e arcaica para uma urbana e moderna. Em seus estudos percebeu que na modernização brasileira existia uma marginalidade estrutural, onde as características arcaicas não desapareceram para dar lugar ao conjunto de atributos que compõe uma sociedade moderna. Interessante destacar que uma sociedade rural e arcaica não possui elementos em comum com uma sociedade urbana, industrial e moderna. Tratam-se, portanto, de dois mundos que não são compatíveis. A suposição principal de Costa Pinto é a de que os países podem escolher suas formas de modernização e, para a realização concreta desse projeto, a Sociologia é utilizada como área de conhecimento.

Os críticos de Costa Pinto afirmam que não há oposição entre rural-arcaico e o urbano-moderno. São pessoas que afirmam que o Brasil sempre foi moderno, em virtude de a colonização ter acontecido no momento em que os colonizadores já se encontravam na modernidade.

1.1. Origem da vingança privada no Brasil

Quando estuda a questão da vingança privada o autor a compreende como um traço cultural de uma sociedade cuja estrutura é rural. Nessas sociedades o instrumento de manutenção da ordem social é a vingança privada, que organiza a vida rural. O autor percebe que, dentro dos conflitos existentes, as famílias e os clãs se protegem e o estabelecimento do poder familiar enfraquece o poder político. É a partir dessa relação que Costa Pinto discute como será possível alcançar o moderno processo de evolução das organizações sociais humanas, uma vez que onde a comunidade de sangue precedeu a de território (a sociedade de “parentes” constitui o quadro das relações jurídicas, mesmo onde havia cidade mas não havia Estado).

Costa Pinto destaca a importância do estudo da base física, ou seja, do território sobre o qual aconteceu um tipo de colonização que criou as condições necessárias para o surgimento da vingança privada no Brasil. Nesse sentido a organização social e política brasileira surgiram a partir de introdução de instituições que existiam na Europa, que na prática passaram por uma adaptação dentro de uma evolução jurídica. Assim que surgem as instituições o poder privado, das famílias, se sobrepõe ao poder público, do Estado. Nessa realidade a família era a unidade econômica colonizadora do Brasil e, por isso mesmo, fez-se centro e núcleo quase absoluto da vida social.

O modo como funcionavam os latifúndios, quase em formato de completa subsistência, dificultou a formação do trabalhador livre assalariado, devido ao fato de ter sido a colonização portuguesa resultado da iniciativa particular. Essa é a origem da formação da aristocracia rural “mais poderosa” da América, em torno da qual será submetida grande parte da história política do Segundo Império e, inclusive, da República, culminado numa descontinuidade entre o Estado, representando o interesse público, e a ordem familiar, representando o interesse privado. Assim a vingança se constitui numa ação motivada pelas leis locais, o que significa que o motivo para que uma atitude vingativa aconteça depende somente da cultura local e se trata, portanto, de um princípio de organização social. Esse modo de organização social de solução de conflitos, orientado pela pessoalidade, é incompatível com as leis das instituições modernas, que possuem a impessoalidade como característica indispensável. De acordo com a essa perspectiva não há vácuo de poder, porque onde o Estado não o exerce outras pessoas o farão, de modo privado e pessoal, onde o status do indivíduo é garantido pelo seu clã, ou seja, pela família da qual faz parte.

Na organização social onde o exercício de poder e o acesso aos direitos dependem do pertencimento a uma determinada família, o crime contra o estrangeiro é permitido, podendo conferir até prestígio ao indivíduo, de acordo com a quantidade de vítimas. Nessa realidade, fora da família a pessoa não possui direitos. É a solidariedade que existe entre os membros da família que assegura os alicerces da vingança privada. Esse é o fundamento da família patriarcal, o regime de economia doméstica onde o status do indivíduo depende do seu comportamento no interior da família, em relação aos deveres de solidariedade do grupo. O que conduz à anarquia e a criminalidade é a recusa do indivíduo à solidariedade ativa com o grupo do qual faz parte. A vingança não era destinada necessariamente ao indivíduo que violasse as normas jurídicas, mas servia para manter a ordem no sentido de enfraquecer a família que fosse rival. Nesse cenário é importante que a vítima seja alguém da família rival e cuja ausência a enfraquece nas relações de poder.

Com a nova ordem instituída é possível constatar que a organização política permanece com caráter conservador, porque para fazer parte do grupo das pessoas que tomavam decisões políticas nas instâncias oficiais de poder era necessário possuir um latifúndio e mandar nas pessoas que nele se encontram. É um grupo que se conserva para essas características. É um sistema de difícil composição. Costa Pinto verifica, por exemplo, a briga de duas famílias disputando o domínio da assembleia municipal. O poder municipal é construído em cima de disputa de interesses privados, mas na prática a família que perde é subjugada por quem assumir a assembleia municipal.