sexta-feira, 5 de abril de 2019

Oliveira Vianna

Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951)

A contribuição de Oliveira Vianna no cenário político brasileiro é notável. Ele participou do Estado Novo (1937-1946) sendo protagonista da formulação de políticas sindicais trabalhistas, no que diz respeito à conciliação de interesses do governo e dos trabalhadores; atuou no sentido de criar direitos sociais, principalmente em relação à educação. Nesse período de modernização conservadora foi criado o documento oficial de Consolidação das Leis Trabalhistas e houve significativa redução do índice de analfabetismo.

Oliveira Vianna, influenciado pela visão de mundo de sua época, compreendia que o branqueamento do tom da cor da pele da população seria bom para a sociedade brasileira. Essa interpretação da realidade era resultado da crença de que os problemas que existiam no país eram consequência da composição das raças, de origem autóctone - nativo das terras futuramente denominadas brasileiras -, europeia e africana. Naquela época havia dois grupos de intelectuais, o que acreditava que a miscigenação levaria a esterilidade da sociedade brasileira e o que considerava que a miscigenação seria boa porque promoveria o clareamento do tom da cor da pele e o progresso seria alcançado, com uma nova civilização. A produção científica nessa época correspondia a essa visão de mundo, que realizava cálculos sobre a quantidade de pessoas brancas que deveria ser introduzida na sociedade para que num determinado espaço de tempo fosse construída uma nova sociedade. Desse modo a raça era compreendida como uma base a partir da qual no jogo de relações sociais vai se definindo um novo tipo de indivíduo.

Na década de 1930 a ideia de raça começará a ser questionada por uma nova interpretação da realidade, que deslocará o centro do debate para o campo da cultura. As instituições de Ciências Sociais, em seus estudos sobre a composição étnica da sociedade brasileira, começaram a se deslocar da explicação biológica para a social. Por esse motivo Oliveira Vianna é considerado racista por alguns intelectuais que fizeram parte da nova geração de pesquisas sobre raça.

Oliveira Vianna era muito preocupado com a unidade nacional e por isso se dedica em seus estudos a identificar os motivos que fizeram com a sociedade estivesse dividida, porque assim seria possível propor novas formas de ordenamentos jurídicos e políticos. Essa compreensão do autor é bem interessante para pensarmos sobre o conjunto de normas jurídicas que existem no Brasil e como é possível que contribuam para garantir a unidade nacional.

Enquanto nação, Vianna considera que somos portadores de aspectos que nos tornam diferentes dos outros povos, por causa da miscigenação. Mas essa originalidade não torna o povo brasileiro uniforme. E por esse motivo ele entendia que seria importante a construção de uma cultura política de acordo com a realidade brasileira.

Na década de 1930 aqui no Brasil havia uma discussão promovida pelos cientistas sociais sobre a formação da sociedade brasileira. Oliveira Vianna faz parte dessa geração de intelectuais e escreve sobre as relações entre Estado e sociedade. O autor compreendia que a indistinção entre a esfera pública e a privada existe por causa da estrutura agrária sobre a qual que organizou o Estado e as demais relações sociais. Essa falta de separação entre o público e o privado na história do Brasil é concretizada na apropriação privada do interesse público. Isso acontece quando as relações pessoais são tratadas como mais importantes do que as relações impessoais.
Um exemplo atual e muito pertinente é a corrupção, que torna concreta a submissão dos interesses públicos e impessoais aos interesses privados e pessoais. Pode ocorrer também na relação entre Estado e religião. De acordo com a Constituição Federal promulgada em 1988, considerada Constituição Cidadã, o Estado brasileiro é laico, isto é, neutro no que se refere à religião, em respeito à diversidade religiosa que existe em nosso território. Mas imagine que alguns líderes políticos não respeitem a Constituição Federal Brasileira e atuem no sentido de favorecer ou desfavorecer uma ou mais religiões que existem em nossa cultura, isso seria outro exemplo de indistinção entre o interesse público e o interesse privado, uma vez que a religião é uma escolha íntima e pessoal, enquanto o Estado e a suas instituições são impessoais e devem respeitar a Constituição Federal. Ainda que os eleitores sejam majoritariamente seguidores uma determinada religião, é obrigação das pessoas que representam a população ter uma conduta de respeito ao que está na escrito na Constituição vigente no país.



A diferença entre o Brasil Real e o Brasil Legal, que se manifesta através da indistinção entre o público e o privado, existe segundo Vianna porque a organização das instituições oficiais de poder tiveram como inspiração modelos de outros países, e não houve adaptação concreta à realidade brasileira. Um exemplo atual bem interessante é a relação entre as teses de defesa do conjunto de Direitos Humanos e a rejeição por parte da sociedade a essa proposta. As teses que compõe o conjunto de Direitos Humanos vigentes no Brasil têm origem na Europa, no final da Segunda Guerra Mundial, em virtude do Holocausto promovido contra judeus, comunistas, ciganos e qualquer outro grupo social que são colaborasse com os governos fascistas de Hitler, na Alemanha, e Mussolini, na Itália..

A contribuição teórica de Oliveira Vianna possui importância indiscutível para facilitar o entendimento acerca da realidade brasileira até a atualidade. Ele destaca a relevância da necessidade de construção de instituições oficiais de poder que estejam em harmonia com a realidade concreta da sociedade brasileira, para que acabe o conflito entre o Brasil Legal e o Brasil Real. No Brasil Legal se encontra o conjunto de normas jurídicas construídas pelas elites para a totalidade da população, que dará origem ao conjunto de instituições oficiais de poder inadequadas à realidade. Essa incompatibilidade existirá porque as normas jurídicas foram inspiradas em ideias que foram importadas de outros países, com cultura completamente diferente da nossa. É nesse sentido que se localiza a crítica do autor direcionada tanto à República quanto ao modelo liberal que ele identificou no Brasil, uma vez que era a monarquia que traduzia a união social, e não o povo com sua cultura.


Para ele nossa formação foi singular, temos uma especificidade, por isso temos que forjar nossas próprias instituições, de acordo com a nossa realidade. Daí o caráter antiliberal de sua obra. Mas há elementos em suas obras que permitem interpretá-lo como autoritário, que seria necessário para formar uma unidade nacional e até mesmo alcançar a democracia.

O Estado Novo inaugura na história brasileira a ideia de política pública, por isso foi uma ditadura modernizadora, por isso dizemos que foi um período antiliberal.Tanto o liberalismo quanto o socialismo, propostas teóricas popularmente conhecidas, respectivamente, como “direita” e “esquerda”, já estavam em crise na Europa, favorecendo o ressurgimento de teorias conservadoras, desenvolvidas por Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto e Robert Michels. Aqui no Brasil a resistência ao liberalismo era sentida na década de 1920 e Oliveira Vianna contribuiu muito para a construção desse entendimento.

Além da rejeição ao liberalismo havia a crítica ao socialismo e ao anarquismo, porque possuem objetivos internacionalistas e universais, ou seja, seus adeptos desejam expandir tais ideias para todos os lugares do mundo, a fim de mudar a realidade das pessoas em todo o planeta Terra. Os conservadores não concordam com essa compreensão de mundo porque são nacionalistas e almejam a preservação da moralidade vigente na cultura local. Como exemplo podemos verificar a resistência dos conservadores no Brasil em aceitar as propostas dos Movimentos Sociais, em virtude de possuíram pautas que desejam tornar realidade no mundo inteiro. Isso significa que as reivindicações dos movimentos sociais são internacionalistas.

Oliveira Vianna desenvolveu uma tese sobre o que considerou ação simplificadora do domínio rural. De acordo com essa proposta foi realizada no Brasil uma distribuição de terras que comprometeu o desenvolvimento do comércio, da indústria e dos núcleos urbanos. Isso aconteceu porque Portugal se preocupou somente com a proteção das terras contra invasões de outros povos. Nesse sentido, as capitanias hereditárias enquanto modelo de distribuição de terras produziram uma estrutura fundiária onde a solidariedade é construída a partir de interesses comuns, o que atrapalha muito o desenvolvimento da divisão social do trabalho que existe nas sociedades complexas. Nesse sentido a ação simplificadora se opõe à divisão social do trabalho complexa, cuja existência depende do comércio, da indústria e dos núcleos urbanos.

Se considerarmos “classe média” no sentido europeu da expressão também perceberemos que aqui não existe por causa da ação simplificadora. Oliveira Vianna inclusive compara os latifúndios no Brasil com os feudos que existiam na Idade Média na Europa. Os proprietários das terras não tinham somente poder econômico, mas exerciam influência sobre as decisões políticas do país. Nesse sentido é possível afirmar que existiam clãs rurais e os proprietários eram os chefes. Por clã compreende-se a formação de um grupo social em torno de um líder. Essa organização é entendida pelo autor como anarquia branca, em virtude do controle exercido pelos chefes dos clãs sobre as instituições oficiais de poder, como as corporações municipais, por exemplo. Esse tipo de poder local se apropriou de modo privado das funções do Estado, comprometendo seu funcionamento de modo impessoal e público. Ele nem identifica conflito de interesses, mas um arranjo realizado por um patronato político, onde a única forma de solidariedade existente reforçava o poder dos chefes “clãnicos”. Nesse cenário o povo tinha acesso aos direitos públicos somente através dos chefes locais. O único meio de enfrentar esse tipo de organização social seria a construção de um Estado forte e centralizador, com objetivo de garantir o acesso do povo ao que lhe pertencia por direito sem depender dos favores dos chefes locais.

De acordo com o princípio liberal a sociedade civil deveria controlar o poder exercido pelo Estado. Mas Oliveira Vianna entendia que no Brasil isso não seria possível, uma vez essa “sociedade civil” não existe de modo organizado e capaz de controlar o exercício de poder do Estado. Em virtude dessa incapacidade do povo em fazer valer a sua vontade seria melhor a centralização política e administrativa do Estado. Por esse motivo o Estado representou a modernização, outro seja, construção de uma esfera pública autônoma, rompendo com a estrutura “clãnica”, atrasada, equivalente ao modelo feudal.

Oliveira Vianna ainda afirmava que na Europa havia democracia porque lá existia uma sociedade civil coesa, capaz de fazer valer a sua vontade. No Estado Novo a sociedade é uma produção do Estado, e por isso decide como ela será além de ser seu porta-voz.

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