Natureza e cultura:
compreendendo as relações humanas na atualidade.
1-Construção do “eu”: como as identidades
são construídas na vida em sociedade.
Na sociedade
brasileira é possível verificar que existem atualmente muitos conflitos de
origem moral. Para entendermos o que é moral devemos pesquisar a origem da
palavra, que se localiza no latim, morales, e significa tudo o que diz
respeito aos costumes. É comum que as pessoas confundam moral com ética, que
possui origem grega, ethos, e significa modo de ser ou caráter. A
palavra caráter tem origem grega, kharakter, e significa marca, isto é,
o que define alguém. Com essas definições podemos compreender com clareza que o
conjunto de atributos que definem o modo de ser de uma pessoa, ou seja, o
caráter depende de como o grupo social do qual ela faz parte classifica o que é
bom ou ruim. Nesse sentido, a reflexão acerca do caráter se encontra
relacionada com a ação ética e com as normas morais, uma vez que as pessoas, na
vida em sociedade, classificam o que será aceito e rejeitado no convívio
social. Esse processo de construção de classificações organiza todos os
aspectos da vida social, tais como a alimentação, defesa, habitação, educação
dos mais jovens, regras de parentesco, distribuição das riquezas, relações de
poder, definição de justiça, de beleza, por exemplo. Por esse motivo é
importante o estudo das culturas, primeiro para entendermos que cada sociedade
humana percebe o mundo de um modo específico, ou seja, particular; e para
desenvolvermos a compreensão de que as culturas devem ser respeitadas ainda que
seja completamente diferente do modo que vivemos. Neste módulo verificaremos
como as identidades sociais se desenvolvem, e entenderemos a importância desta
construção social.
2.Stuart Hall (1932-2014)
A contribuição
do teórico cultural Stuart Hall, para o entendimento sobre a construção das
identidades, isto é, do “eu” que define cada pessoa, é muito importante. Ele é
um dos fundadores da escola de Estudos Culturais britânicos, que se localiza na
Universidade de Birmingham, na Inglaterra. Para o autor, na atualidade foi
realizada morte do sujeito moderno, que nasceu com a Revolução Francesa. A
ideia de indivíduo moderno, cujas certezas eram fundadas no desenvolvimento
científico, foi abalada diante da incapacidade da humanidade de promover o
próprio bem-estar com a tecnologia. O melhor exemplo pode ser localizado nas
duas grandes guerras que abalaram as estruturas das sociedades europeias e
contaram com o desenvolvimento tecnológico para a destruição em grande escala
da vida humana, expressa de modo latente no holocausto contra todos os seres
humanos julgados inferiores pelas ações dos regimes nazista, na Alemanha, e
fascista, na Itália. Desse modo o sujeito que surgiu na Revolução Francesa,
construído pelas propostas iluministas, passou por transformações que deram
origem ao homem pós-moderno.
Ter o conhecimento acerca do
define a ideologia enquanto orientação para a vida prática é importante porque
nos faz entender a proposta de Stuart Hall sobre a crise de identidade na
pós-modernidade, que se localiza na compreensão de que com o fracasso dos Estados
Socialistas em promover o fim da propriedade privada, os Estados orientados
pelo capitalismo se fortaleceram. Esse processo foi acompanhado pelo
desenvolvimento tecnológico da informação, com a internet, por exemplo, que
tornou possível a aproximação entre pessoas de diversos lugares do mundo. Essa
compressão de tempo e espaço produziu tanto o questionamento das culturas
locais quanto a formação de uma cultura global. Foi nesse movimento que as
pessoas se sentiram inseguras em relação às identidades locais, restritas ao
modo de ver o mundo de seus grupos sociais de origem, gerando o que o autor
chama de “crise de identidade”. Esse período é chamado por Hall de
“modernidade tardia”, onde as pessoas perderam a segurança em suas identidades
que eram fixas, estáveis. Um exemplo que pode ser considerado é o
fortalecimento dos movimentos sociais de busca por igualdade. Nesse sentido o
sujeito pós-moderno não possui uma identidade definida, mas em processo
permanente de reconstrução.
Esta dinâmica se tornou cada vez mais intensa em função
das novas tecnologias como a aviação e a internet por exemplo. Tanto as
distâncias físicas quanto as distâncias culturais foram encurtadas pela
tecnologia. Hoje uma viagem que durava meses dura menos de um dia. Não é incomum
vermos pessoas que em viagens de trabalho estão em mais de um país na mesma
semana, algumas vezes até mais. As fronteiras neste mundo de viajantes
constantes ficam cada vez mais fugidias e pouco claras. Isso impacta nas
definições de nacionalidade, de cultura local, de tradição, que constroem as
visões de quem se é de onde se é. Ao mesmo tempo, mesmo aqueles que não dispõem
de capacidade financeira para viajar, em sua maioria tem acesso à internet, o
que faz como que o contato seja plural e multiplicado com as mais diversas
culturas. Hoje temos acesso a produtos culturais, filmes, textos, crenças,
dentre outros elementos, como nunca tivemos na história. Hoje as informações
demoram poucos segundos para chegar a nossas mãos e ainda estamos aprendendo o
que fazemos como elas.
3- Manuel Castells (1942 - 76 anos)
Castells é um ilustre teórico
do período conhecido como pós-modernidade. Em suas obras ele considera que o
desenvolvimento da tecnologia da informação promoveu a criação de uma sociedade em rede, que se define pela
possibilidade de contato virtual entre pessoas que estejam fisicamente
distantes. Para ele nesse tipo de sociedade o que mais importa é a informação e
não a propriedade privada dos meios de produção. Um exemplo que pode ser
considerado é a indústria automobilística, que possui a marca e os projetos dos
veículos. Hoje o entendimento da tecnologia da informação é indispensável para
a compreensão das mudanças que ocorrem nas estruturas das sociedades humanas,
embora não seja suficiente para resolver os problemas que resultam das
contradições que irão surgir em virtude das culturas locais resistirem a tais
transformações. Numa sociedade em rede o que mais importa é o fluxo das
informações, ou seja, a movimentação constante das notícias. Essas mudanças
contribuíram para uma reorganização global das sociedades antes orientadas por
suas culturas locais. Um exemplo bem pertinente da circulação contínua dos
acontecimentos é modo como um vídeo em uma rede social pode ser divulgado para
inúmeras pessoas em um espaço tão curto de tempo que pode criar uma mobilização
em torno de uma informação com veracidade questionável. É interessante destacar
que podem existir situações dessa natureza que violem o código penal, fazendo
com que a sociedade crie instituições, assim como legislação específica para
que haja denúncia, investigação e punição para esse novo tipo de crime.
Aprofundando!!!!!
O que são crimes virtuais?
“...Crimes virtuais são os crimes praticados através
da internet ou computadores. Os criminosos buscam atingir a própria vítima ou
apenas o computador dela. Alguns também buscam atingir uma rede de computadores
completa, como as de empresas, organizações e órgãos públicos.
Independente do objetivo ou forma de praticar, esses
crimes podem ser punidos a partir da denúncia, podendo levar a detenção do
criminoso e ao pagamento de multa. Ao denunciar um crime virtual, será possível
contribuir para impedir que esses crimes continuem.
Alguns dos exemplos de
crimes virtuais são: roubo de informações, desvio de dinheiro de contas
bancárias, sites falsos de compra eletrônica, crimes contra a honra (injúria,
calúnia e difamação), ameaças, falsidade ideológica, entre outros...”
Castells construiu uma
relação entre comunicação, informação, poder e política. Independente das
intenções que existam nas organizações sociais, sendo oficiais ou não, a
comunicação e a informação se encontram sob controle de quem pretende exercer
algum tipo de poder. Esse poder pode ser tratado como político, porque a ação
política em sua definição consiste em uma relação de poder, de comando sobre o
outro. Se considerarmos o Estado brasileiro, que é uma instituição de poder
oficial, podemos verificar esse controle através das concessões para as
emissoras de televisão e da educação escolar básica, cujo conteúdo selecionado
para ser ensinado aos alunos em todo o território nacional depende da aprovação
de pessoas vinculadas ao exercício de poder oficial, ou seja, ao Estado.
Entretanto, hoje este
controle não se encontra vinculado apenas aos estados. Com a dinâmica acelerada
de divulgação de informações, empresas, pessoas públicas e até mesmo políticos,
precisam considerar todo o conjunto de efeitos de suas declarações
posicionamentos e escolhas diante da opinião pública reforçada pelas novas
redes. E como qualquer ferramenta, as novas redes implicaram em efeitos
positivos e negativos. A mesma rede que pode ser utilizada para iniciar um
protesto ou ampliar a capacidade de expressar suas posições, aos mesmo tempo
pode ser utilizada para diminuir, ofender ou fazer escárnio público de uma
pessoa ou de um grupo de pessoas. É importante lembrar que estas redes não
criaram estas dinâmicas, elas apenas tornaram as mesmas mais amplas e
acessíveis.
Castells destaca o papel
social dos indivíduos que não se sentem representados pela sociedade em sua
totalidade. Essas pessoas tendem a se organizar em movimentos sociais para
reivindicarem a criação de políticas públicas que promovam compensações
concretizadas em formato de leis. Um exemplo que pode ser considerado é a
criação de cotas raciais, assim como leis específicas sobre a igualdade de
gênero. Se por um lado há quem considere que os movimentos sociais, em suas
reivindicações, ignoram que os brasileiros, constitucionalmente, são iguais
perante a lei; por outro lado, é possível verificar nas falas dos
representantes de tais movimentos que também é constitucional que os desiguais
sejam tratados em suas especificidades. O debate público que envolve a busca
por igualdade de condições tem acontecido de modo constante através das
internet. E desse modo constatamos a importância da informação e da comunicação
como meios para a construção de uma sociedade cada vez mais engajada no que se
refere ao exercício de poder político.
Aprofundando!!!!!!!
BOX: LEI Nº 12.965, DE
23 DE ABRIL DE 2014.
PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço
saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Estabelece princípios, garantias,
direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.
Art. 1o Esta
Lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet
no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria.
Art. 2o A
disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à
liberdade de expressão, bem como:
II - os
direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania
em meios digitais;
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em 03/12/2018.
O poder é tratado pelo autor
com responsável pela concretização de interesses que podem não corresponder ao
que almejam as pessoas no plano individual, mas aos anseios de grupos sociais
em busca de seus próprios interesses e ignorando a totalidade da vida social.
Nesse sentido é fundamental entender o funcionamento da mente humana, uma vez
que as mensagens que circulam atuam sobre a mente humana fazendo que as pessoas
de comportem de determinado modo, e essa dimensão individual pode crescer e
alcançar a esfera coletiva. Enquanto as pessoas pensam que têm autonomia de
pensamento podem ser alvos de mensagens falsas, que representam interesses de
organizações que pouco ou nenhum compromisso tem com o bem-estar da humanidade
em sua totalidade. Com objetivo de entender a mente humana, Castells pensou de
modo relacional a emoção, a política e o entendimento humano sobre a realidade,
ou seja, a cognição. Ele concluiu que as pessoas podem ser mobilizadas pelos
sentimentos, considerando as informações sobre as injustiças sociais, por
exemplo. De acordo com essa perspectiva, a indignação pode ser utilizada para
relacionar informação, comunicação e ação política individual.
4-Antony Giddens (1938 - 80 anos)
Giddens se destaca entre os
outros pensadores acerca do período que envolve a globalização em virtude de
não usar o termo pós-modernidade, mas modernidade
reflexiva, alta ou tardia. De acordo com essa percepção a construção do “eu” deixa de corresponder à tradição e
se torna uma elaboração reflexiva e,
portanto, individual. Nesse contexto surge um novo conjunto de papéis sociais
disponíveis aos indivíduos, muito mais amplo do que existia na sociedade
tradicional.
As relações de confiança
criadas para que haja um melhor relacionamento entre as pessoas adquire um novo
formato, uma vez que a construção do “eu” se torna um projeto reflexivo
individual. O “eu” possui uma trajetória de desenvolvimento em etapas, onde o
indivíduo é capaz de identificar e selecionar o que será melhor para a sua vida
dentro dos múltiplos papéis sociais disponíveis na realidade multicultural. É
nesse processo que os laços afetivos orientados por papéis sociais tradicionais
serão reorganizados. Nesse sentido a moralidade passa por uma nova interpretação
onde a satisfação individual passa por questões que envolvem as oportunidades,
os riscos, o equilíbrio e autenticidade. Desse modo, viver a vida significa
mais do que simplesmente estar vivo, mas ser capaz de passar pelas
transformações tendo o controle da própria vida.
Para Giddens o mundo
contemporâneo é constituído a partir da Revolução Industrial, com a formação da
burguesia como classe social. Ao discutir a pós-modernidade enfatiza o processo
de globalização e de que forma esse formato adquirido pela sociedade interfere
nas relações sociais e na vida das pessoas. As relações de confiança são
criadas para que haja um melhor relacionamento entre as pessoas, para que o
medo e a insegurança não prevaleçam, comprometendo a vida em sociedade. Desse
modo o papel desempenhado pela coletividade é muito importante, para que os
indivíduos lidem com as mudanças sem perder o gosto pela vida. Na realidade
pós-moderna a construção social da confiança do indivíduo na sociedade e nas
instituições passa por transformações, porque a insegurança e o medo passam a
ser constantes em virtude dos novos riscos, que surgiram com o desenvolvimento
tecnológico, como a possibilidade de uma guerra nuclear. Se antes havia a
crença de que o desenvolvimento da ciência proporcionaria paz aos seres
humanos, o século XX provou para toda a humanidade que o conhecimento
científico pode destruir a vida humana em sua totalidade. De acordo com essa
perspectiva a construção da confiança se apresenta como meio para administrar
os riscos e evitar a anomia social. A sociedade possui poder de moldar o
comportamento do indivíduo na medida em que pode coagir, mas também é
responsável pela construção dos papéis sociais, promovendo a possibilidade de
escolha.
5-Zygmunt Bauman (1925 - 2017)
Bauman foi um intelectual
polonês compreendeu a sociedade pós-moderna como ambiente onde as relações são
“líquidas”, isto é, sem o compromisso que havia nas relações humanas na época
anterior. A identidade nessa nova realidade é marcada pelo sentimento de
pertencimento do indivíduo ao grupo social, porque assim se vê como parte da
sociedade. Ele chama atenção para a relação entre o medo, a insegurança e falta
de empatia no novo mundo das relações líquidas. Esse comportamento está
presente em nosso cotidiano quando sentimos dificuldade em olhar quem põe em
risco a nossa integridade física e psicológica com empatia. Nesse sentido o
medo e a insegurança se transformam em obstáculos de amor ao próximo, e se
concretiza no discurso de violação aos direitos humanos.
A vitória do capitalismo, com
a Queda do Muro de Berlin, representou de modo concreto a supremacia do
individualismo em detrimento da perspectiva coletiva de convívio humano. E para
Bauman o culto ao interesse individual culminou no abandono pelo comportamento
de insistência em fazer com que as relações de orientação coletiva prosperem.
As escolhas individuais se localizam acima dos interesses coletivos que existem
num partido político, por exemplo. As relações que se constroem são chamadas
pelo autor de “conexão” e substituem as anteriores, onde havia compromisso e
responsabilidade entre as pessoas. As conexões são facilmente identificadas em
redes sociais, onde os laços afetivos se constroem por afinidade e pouca ou
nenhuma responsabilidade interpessoal.
Bauman compreende que os
laços afetivos passaram por transformações que comprometeram os sentimentos das
pessoas em relação aos outros e a si mesmas. A crescente caminhada em direção
ao individualismo criou um ambiente social de tanta incerteza e insegurança que
o amor em relação recíproca, como havia antes, deu lugar ao conjunto de regras
de punem quem faz mal ao outro. Desse modo entendemos que o afeto em relação ao
outro não é natural, mas construído através da cultura. Quando essa construção
deixa de existir emerge o que há de mais natural no indivíduo, que é centrada
puramente no eu. Essa análise do autor tem como base o entendimento que se não
houver uma construção social orientando as pessoas a atuarem em relação ao
outro de modo humano é possível que a sociedade caminhe para a autodestruição.
Bauman considerou que uma das
consequências da globalização é a crescente quantidade de refugiados, em
virtude da existência das guerras. A condição do refugiado é de completo
isolamento do que define a existência humana na vida em sociedade, porque há
perda da residência, do convívio com seus semelhantes no que diz respeito ao
campo da cultura e do ofício através do qual a pessoa adquire os bens que
precisa para viver. Nesse sentido o refugiado perde todos os elementos que
fazem parte da vida cotidiana de um ser humano e passa a ter a sua existência
condicionada aos movimentos de ajuda humanitária. Essa situação para o autor é
muito prejudicial para a vida política porque considera que todas as pessoas
precisam se sentir seguras em relação à sua sobrevivência para desenvolverem as
condições necessárias para participarem efetivamente da vida política, e se for
necessário lutar por esse direito.
A globalização no que diz
respeito ao fluxo de pessoas promoveu a divisão entre o que Bauman chama de
“turistas” e “vagabundos”. Dentro dessa interpretação o turista se define pela
pessoa que possui condições de usufruir dos benefícios promovidos da era
global, ao passo que o vagabundo é definido como a pessoa que se localiza a margem
das oportunidades que surgem nas novas relações no mundo globalizado. Sendo
assim, houve o aprofundamento das históricas desigualdades que existem entre as
sociedades humanas.
Outro fator interessante para
Bauman é o conflito entre as culturas locais e a cultura global, porque o medo
e a insegurança podem fazer com que as pessoas sintam desejo de restaurar os
elementos das culturas locais, orientadas pela tradição, onde localizam
segurança e estabilidade.
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