sábado, 19 de outubro de 2019

Relação entre as milícias e o Estado

O poder da milícia armada e a permissividade do Estado.

A construção do poder dos milicianos de Jacarepaguá tem no assistencialismo e na força física sua sustentação. Ao expulsar o tráfico nas regiões onde se estabelece as milícias criam regras. A manutenção da ordem pública proporcionada aos moradores e comerciantes consiste na adaptação às regras. A milícia armada sabe que não possui o monopólio do uso da força porque este pertence ao Estado e por isso estabelece vínculos com o poder político, como demonstra a eleição do o ex-presidente da associação de moradores de Rio das Pedras, Josinaldo Cruz, vereador pelo PFL , devido ao prestígio da comunidade que não tem traficante... Os moradores legitimam as ações porque acreditam que se constitui numa alternativa para os conflitos que acontecem entre facções do tráfico e entre estas e a polícia militar. Diante da negligência do poder público em resolver o problema da segurança pública, o papel dos milicianos seria restaurar a ordem pública, preservando os moradores das comunidades onde se instalam.

Os milicianos almejam o acúmulo de dinheiro, numa relação de corrupção com membros do Estado, a partir da exploração de atividades ilegais nos lugares onde se instala. Os policiais envolvidos se consideram importantes para a organização da sociedade, conforme declaração a seguir:

“... Um dos policiais procurados pelo O Globo, que presta serviço em três comunidades, classifica a segurança que faz nas favelas como um ‘mal necessário’: - Nós somos um mal necessário. Os moradores, muitas vezes, não querem a gente, mas acabam aceitando porque precisam se livrar da violência.”
(http://protempo.blogspot.com/2005/03/policiais-civis-integram-as-milcias.html)

As práticas assistencialistas dos milicianos, promovidas pela associação de moradores em Rio das Pedras, têm se traduzido num meio de construir alianças políticas, como fez o vereador eleito pela comunidade. Nesse contexto é fundamental o reconhecimento de que isso ocorre pelo descaso do poder público em relação às regiões onde surgem candidatos com uma base assistencial um pouco mais estruturada, que resulta na expressão da vontade popular, ter um conhecido seu no poder.

O prefeito da cidade do Rio de Janeiro, César Maia, pôs em discussão no dia 21 de setembro de 2006 a existência das “milícias”, que já teriam dominado 34 comunidades, despertando a atenção do poder público municipal. Na tentativa de descobrir como lidar com o “novo poder paralelo” o prefeito declarou que a priorização do delito não é suficiente, ou seja, tratar os milicianos como criminosos comuns não será a solução. Segundo a reportagem a substituição do tráfico pelas milícias é “bem aceita por moradores” . No entanto a realidade é bem diferente quando examinada com cuidado a atuação da polícia mineira além da favela Rio das Pedras.

Foram divulgadas recentemente  outras atividades ilegais praticadas pelos milicianos, tais como “cobrança de taxas sobre vendas de imóveis, agiotagem e exploração de centrais clandestinas de TV a cabo. Conhecidas como “TV a gato”, as redes clandestinas somam 600 mil usuários no Rio”.

A organização, identificada pelos moradores como “mineira”, estabelece um sistema de cobrança de taxas de segurança para moradores e comerciantes a fim de que o tráfico seja mantido longe da comunidade Rio das Pedras.

Embora reconheça a existência da milícia armada, a Polícia Militar do 18º BPM (Jacarepaguá) tenta reduzir a importância que esta teve para a expulsão dos traficantes da região. O tenente-coronel responsável pelo batalhão declarou que houve reação dos policiais que residiam no local contra os traficantes, mas que nada teria sido possível sem a atuação da polícia oficial:
“Foi a confiança da população no nosso trabalho que fez com que os traficantes saíssem das favelas. Depois que as pessoas experimentam o prazer de não serem subjugadas pelos bandidos, eles não voltam mais. Se alguém faz uma denúncia e percebe que a providência foi tomada, sem que ele se comprometa, ele ajuda e passa a ter um vínculo conosco. Eles mesmos impedem que o tráfico retorne. O mérito é da comunidade - explicou o comandante.”
(http://oglobo.globo.com/rio/mat/2006/09/15/285678329.asp)

De acordo com dados do site Favela tem Memória, da ONG Viva Rio, “a população da Barra da Tijuca, principal bairro da Zona Oeste do Rio, deverá triplicar até 2016 podendo chegar a meio milhão de pessoas. A projeção foi feita recentemente em estudo realizado pelo Instituto Pereira Passos (IPP) em parceria com a Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE). Os reflexos deste crescimento acelerado, no entanto, já começam a mudar o cenário da cidade.

Das 513 favelas registradas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Região Metropolitana mais de 100 estão concentradas em apenas três bairros da Zona Oeste... E entre as 149 últimas favelas cadastradas no Rio (Fonte: IPP), 13 estão localizadas na Barra da Tijuca”.

Existem 42 favelas em Jacarepaguá e na Barra da Tijuca, onde o tráfico foi banido por 11 grupos de milicianos, sendo que seis chefiados por policiais militares. O comandante do 18º BPM declara que essa expulsão foi resultado de denúncias de moradores e a confiança na atuação da polícia oficial que fez com que os traficantes saíssem da favela . Como então ele explicaria essa mesma polícia não conseguir banir as milícias dessas regiões, já que admite sua existência e atividades irregulares ao declarar que a Polícia Militar não compactua com grupos de “‘mineira’” ? O outro comandante, do 31º BPM (Barra da Tijuca), afirma desconhecer a existência dos milicianos em favelas da Barra da Tijuca. Embora o tenente-coronel do batalhão da Barra da Tijuca não tenha tomado conhecimento das milícias nas favelas em sua área de atuação, estas se instalaram em favelas do Itanhangá (Vila da Paz, Sítio do Pai João, Tijuquinha e Muzema) e Vargem Grande (Cascatinha, 9 de Julho, Bandeirante, Beira Rio e Rio Bonito) , e em 2004 já estavam na região de atuação do 31º BPM. Fica evidenciado que trata-se de uma tentativa de se minimizar a questão das milícias armadas, uma vez não haver sido apresensentado pelas autoridades estaduais nenhum projeto com características em se viabilizar a retomada do espaço hoje ocupado pelas milícias armadas. 

As milícias, embora possuam natureza diferente das Autodefensas Unidas de Colômbia (AUC), que surgiram com permissão do governo colombiano, em 1968, com a finalidade de combater os guerrilheiros, têm em suas práticas semelhanças importantes. Ambas encontram-se à margem do poder legal instituído, uma vez que na Colômbia a lei foi revogada, e são organizações paramilitares e permitidas, por omissão, e às vezes contando com a conivência dos governos onde atuam.

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